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Rap Cru Faixa a Faixa: O excelente CD de estreia de Bivolt

Ronald Rios

07/03/2020 09h45

 

Bivolt é uma guerreira e aluna do rap. Quem conhece a cena de São Paulo in loco, já trombou com ela ao longo dos últimos 10 anos. Já viu ela fazendo freestyle nas ruas e festas, juntando milhas de voo na profissão MC. Nos últimos anos ela foi chamando atenção com seus lançamentos. Entre singles e participações, ela foi ganhando notoriedade em outros cantos do país. Faltava a prova final: o disco. Um trabalho que apresentasse essa interessante personagem. Ela botou todas as emoções e vivência em "Bivolt", seu debut, lançado pela Som Livre. Tal qual seu vulgo de rap, o disco trabalha em duas voltagens: 110, a mais calma, pisando com firmeza no R&B – não necessariamente romântico, mas com uma sofisticada produção do monstro por trás da música de muitos ícones (Marcelo D2, Emicida, Rodrigo Ogi), o desejado por 11 entre 10 MCs, Nave. Você pode curtir os arranjos, a sensibilidade, a cantoria da Bivolt, tudo acompanhado das suas rimas muito bem talhadas. Conversei muito com ela sobre essa parte do disco. Ela está feliz com o tanto que deu para experimentar no estúdio, e o resultado do trabalho é prova de que quando se faz música com amor e engenhosidade, coisas incríveis podem acontecer. A outra parte do disco é na voltagem 220: raps rasgados para tocar terror. Outra coisa boa em ela se unir com Nave: ambos são acostumados a pular entre duas sonoridades com naturalidade. Nada soa esquisito. Tudo que o Nave arranjou veste a Bivolt como roupa sob medida encomendada no alfaiate, que se movimenta no tapete vermelho da sua introdução oficial ao Brasil nessas duas voltagens que representam além da sua personalidade, o quão abrangente pode ser sua capacidade artística. Dê play em "Bivolt" e veja ela controlando o jogo.

 

Faixa a faixa:

 

110v – "Se eu conseguisse ficar longe daqui, eu juro, eu tinha ido faz tempo". A voz dela nessa textura neo-soul em meio ao arranjo com sons da natureza soa como um canto de sereia. A intro do CD é um convite.

 

Você Já Sabe – Pegue seu bombojaco e sua toca porque faz 10 graus em São Paulo! Me amarrei nessa no primeiro play. O rap e beat com baixo funkeado são rasgadões novamente, bem "no meu tempo era assim que fazia", mas com a Bivolt entregando aquele favo de mel na hora refrão. Talvez uma das faixas que fica mais evidente a versatilidade da Bivolt, que bate o escanteio e cabeceia. São duas artistas pelo preço de uma. Corra já porque numa época em que gente sem talento nenhum faz barulho, é muito reconfortante ouvir o barulho criado por alguém com múltiplos talentos.

 

Me Salva – "Sei que aí deve tá melhor que aqui, então me salva", conversa Bivolt com um extraterrestre. Enquanto narra como as coisas na Terra não estão exatamente ótimas, Bivolt pede ajuda a um ET para que ele a leve por aí. Eu já vi várias encarnações do "Miseducation of Lauryn Hill" no rap nacional e essa é uma das minhas favoritas. A rima criativa, a voz boa que parece vir sem esforço, é um golaço.

 

Murda Murda – Death Row no prédio é a pegada aqui. Tracie e Tasha chegaram junto da Bivolt em cima desse beat nojeeeeeento de sujo, com caixa espaçada para largar versos brabos – e as minas assassinaram o beat. É música para resolver treta. Som para dar rolê bolado de Opala, gangsta shit até umas horas. Minha faixa favorita. 

 

Cubana – Tiração de onda. "A gata não paga em cheque, paga à vista." Flow divertido, letra de gastação, em cima dum beat com influência de jazz cubano lá pra cima. Tem cara de single. Se as rádios pop quiserem abraçar, eu sou a favor. Vicia antes do primeiro refrão terminar.

 

Mary End – Ambientação monstra criada pelo Nave, um dos produtores que sabe trabalhar o violão no rap com muita naturalidade. Bivolt sabe descrever seu dia-a-dia com uma naturalidade. É uma vida normal e dura como a de vários manos e minas pelo Brasil. "Tenho sonhos também, quero realizar". Com abertura pra sonhar também, por que não? E claro, como o título sugere, o som fala dum ritual muito comum ao brasileiro no fim do dia, longe de ser legalizado num país de políticas atrasadas: o chá de fim do dia.

 

Tipo Giroflex – Jé Santiago está confortável em todas as situações que entra. Que dupla bem arrumada ele faz com Bivolt. São justamente dois artistas da nova geração que cobrem as duas bases, rimar e cantar, com facilidade. Fiquei com vontade de ouvir essa dupla mais vezes.

 

Peixinhos – é divertido seguir a Bivolt navegando suave nessa track. Um flow cantado para te acompanhar na beira de piscina. Ou para te enriquecer com esperança nos fones de ouvido no busão lotado. "Energia forte, sem pira" é uma das frases mais sutis e bem sacadas do disco. Gostosa.

 

Susuave – beat jazzeiro, flow molhado. Muito maneiro como ela coloca as sílabas juntas nos versos, tudo bem coeso e bom de passear junto, ouvindo e curtindo como ela montou com esmero as rimas. Classe.

 

Sigilo – Rola aqui uma dobradinha dancehall, na verdade. Essa é mais momento monange, para quem tá apaixonado, se apaixonando – ou querendo se apaixonar. Manda essa pro contatinho.

 

Nome e Sobrenome – Gosto muito da letra dessa, talvez a melhor no disco para vocês conhecerem um pouco da filosofia da Bivolt, do que passa na cabecinha dela. "Uma máquina afiada que te faz carinho" é um belo resumo dessa mulher.

 

Freestyle – Dancehall lá para cima. Outra possível candidata a single. Para quem for de dança, é hora de dançar. Pra quebrar o quadril e bagunçar o cabelo na noite.

 

Hipnose – Faixa pra afrontar mesmo. Grave brabo, vale mencionar a meticulosa mixagem de Luiz Café ao longo do disco, um dos melhores no ofício do Brasil. Eu amo o flow da Bivolt nessa de novo. Com a participação de Lucas Boombeat (Quebrada Queer), irmão da Bivolt – que chega chutando a cabeça também na rima -, esse é outro ponto alto do disco.

 

220v – Antes do bumbo com um grave pesado entrar, Bivolt já está cuspindo rap. "O brilho tá na boca e na alma, então calma / Que as prata e diamante já não vale mais nada". Sim, você recebeu dois convites pra duas festas diferentes, que rolam no mesmo lugar. Um detalhe curioso: experimenta dar play nas faixas 110v e 220v juntas. Abre duas janelas do seu navegador aí e dá play nelas ao mesmo tempo. Tcha-na! É uma nova faixa! Além de um divertido truque de produção, abre também interpretação para uma noção mais profunda da personagem Bivolt: ela funciona em duas frequências ao mesmo tempo. Como todo mundo, a vida é mais complexa que lá ou cá. É lá e cá toda hora.

Sobre o autor

Ronald Rios é roteirista, comediante e documentarista. Apresentou o "Badalhoca MTV" de 2008 a 2011 na MTV Brasil. Na Band fazia o quadro "Documento da Semana" dentro do programa CQC, num formato de pequenos docs sobre pautas atuais na sociedade brasileira. Escreveu para o Yahoo, UOL, VICE, Estadão, Playboy, Red Bull e Billboard. Em 2016 fez a série de documentários "Histórias do Rap Nacional" para a TV Gazeta. Ronald também apresentou de 2010 a 2012 o programa "Oráculo" na Jovem Pan FM e foi roteirista do Multishow de 2009 a 2011, pela produtos 2 MLQS, onde rodou o programa de TV Brazilians, eleito um dos 5 melhores pilotos de TV nacionais de 2011 pelo Festival de Pitching de TV da operadora Oi. Em 2017 e 2018 rodou pequenos docs, podcasts e campanhas multimídia para o artista Emicida na gravadora Laboratório Fantasma.

Sobre o blog

Rap Cru é o blog do roteirista e documentarista Ronald Rios sobre Hip Hop. Brasileiro, americano, britânico, latino… o que tiver beats e rimas, DJs, grafiteiros e b-boys e b-girls, tem nossa presença lá.

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