Rap Cru http://rapcru.blogosfera.uol.com.br Só mais um site uol blogosfera Sat, 07 Mar 2020 12:45:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Rap Cru Faixa a Faixa: O excelente CD de estreia de Bivolt http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2020/03/07/faixa-faixa-bivolt/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2020/03/07/faixa-faixa-bivolt/#respond Sat, 07 Mar 2020 12:45:11 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=224

 

Bivolt é uma guerreira e aluna do rap. Quem conhece a cena de São Paulo in loco, já trombou com ela ao longo dos últimos 10 anos. Já viu ela fazendo freestyle nas ruas e festas, juntando milhas de voo na profissão MC. Nos últimos anos ela foi chamando atenção com seus lançamentos. Entre singles e participações, ela foi ganhando notoriedade em outros cantos do país. Faltava a prova final: o disco. Um trabalho que apresentasse essa interessante personagem. Ela botou todas as emoções e vivência em “Bivolt”, seu debut, lançado pela Som Livre. Tal qual seu vulgo de rap, o disco trabalha em duas voltagens: 110, a mais calma, pisando com firmeza no R&B – não necessariamente romântico, mas com uma sofisticada produção do monstro por trás da música de muitos ícones (Marcelo D2, Emicida, Rodrigo Ogi), o desejado por 11 entre 10 MCs, Nave. Você pode curtir os arranjos, a sensibilidade, a cantoria da Bivolt, tudo acompanhado das suas rimas muito bem talhadas. Conversei muito com ela sobre essa parte do disco. Ela está feliz com o tanto que deu para experimentar no estúdio, e o resultado do trabalho é prova de que quando se faz música com amor e engenhosidade, coisas incríveis podem acontecer. A outra parte do disco é na voltagem 220: raps rasgados para tocar terror. Outra coisa boa em ela se unir com Nave: ambos são acostumados a pular entre duas sonoridades com naturalidade. Nada soa esquisito. Tudo que o Nave arranjou veste a Bivolt como roupa sob medida encomendada no alfaiate, que se movimenta no tapete vermelho da sua introdução oficial ao Brasil nessas duas voltagens que representam além da sua personalidade, o quão abrangente pode ser sua capacidade artística. Dê play em “Bivolt” e veja ela controlando o jogo.

 

Faixa a faixa:

 

110v – “Se eu conseguisse ficar longe daqui, eu juro, eu tinha ido faz tempo”. A voz dela nessa textura neo-soul em meio ao arranjo com sons da natureza soa como um canto de sereia. A intro do CD é um convite.

 

Você Já Sabe – Pegue seu bombojaco e sua toca porque faz 10 graus em São Paulo! Me amarrei nessa no primeiro play. O rap e beat com baixo funkeado são rasgadões novamente, bem “no meu tempo era assim que fazia”, mas com a Bivolt entregando aquele favo de mel na hora refrão. Talvez uma das faixas que fica mais evidente a versatilidade da Bivolt, que bate o escanteio e cabeceia. São duas artistas pelo preço de uma. Corra já porque numa época em que gente sem talento nenhum faz barulho, é muito reconfortante ouvir o barulho criado por alguém com múltiplos talentos.

 

Me Salva – “Sei que aí deve tá melhor que aqui, então me salva”, conversa Bivolt com um extraterrestre. Enquanto narra como as coisas na Terra não estão exatamente ótimas, Bivolt pede ajuda a um ET para que ele a leve por aí. Eu já vi várias encarnações do “Miseducation of Lauryn Hill” no rap nacional e essa é uma das minhas favoritas. A rima criativa, a voz boa que parece vir sem esforço, é um golaço.

 

Murda Murda – Death Row no prédio é a pegada aqui. Tracie e Tasha chegaram junto da Bivolt em cima desse beat nojeeeeeento de sujo, com caixa espaçada para largar versos brabos – e as minas assassinaram o beat. É música para resolver treta. Som para dar rolê bolado de Opala, gangsta shit até umas horas. Minha faixa favorita. 

 

Cubana – Tiração de onda. “A gata não paga em cheque, paga à vista.” Flow divertido, letra de gastação, em cima dum beat com influência de jazz cubano lá pra cima. Tem cara de single. Se as rádios pop quiserem abraçar, eu sou a favor. Vicia antes do primeiro refrão terminar.

 

Mary End – Ambientação monstra criada pelo Nave, um dos produtores que sabe trabalhar o violão no rap com muita naturalidade. Bivolt sabe descrever seu dia-a-dia com uma naturalidade. É uma vida normal e dura como a de vários manos e minas pelo Brasil. “Tenho sonhos também, quero realizar”. Com abertura pra sonhar também, por que não? E claro, como o título sugere, o som fala dum ritual muito comum ao brasileiro no fim do dia, longe de ser legalizado num país de políticas atrasadas: o chá de fim do dia.

 

Tipo Giroflex – Jé Santiago está confortável em todas as situações que entra. Que dupla bem arrumada ele faz com Bivolt. São justamente dois artistas da nova geração que cobrem as duas bases, rimar e cantar, com facilidade. Fiquei com vontade de ouvir essa dupla mais vezes.

 

Peixinhos – é divertido seguir a Bivolt navegando suave nessa track. Um flow cantado para te acompanhar na beira de piscina. Ou para te enriquecer com esperança nos fones de ouvido no busão lotado. “Energia forte, sem pira” é uma das frases mais sutis e bem sacadas do disco. Gostosa.

 

Susuave – beat jazzeiro, flow molhado. Muito maneiro como ela coloca as sílabas juntas nos versos, tudo bem coeso e bom de passear junto, ouvindo e curtindo como ela montou com esmero as rimas. Classe.

 

Sigilo – Rola aqui uma dobradinha dancehall, na verdade. Essa é mais momento monange, para quem tá apaixonado, se apaixonando – ou querendo se apaixonar. Manda essa pro contatinho.

 

Nome e Sobrenome – Gosto muito da letra dessa, talvez a melhor no disco para vocês conhecerem um pouco da filosofia da Bivolt, do que passa na cabecinha dela. “Uma máquina afiada que te faz carinho” é um belo resumo dessa mulher.

 

Freestyle – Dancehall lá para cima. Outra possível candidata a single. Para quem for de dança, é hora de dançar. Pra quebrar o quadril e bagunçar o cabelo na noite.

 

Hipnose – Faixa pra afrontar mesmo. Grave brabo, vale mencionar a meticulosa mixagem de Luiz Café ao longo do disco, um dos melhores no ofício do Brasil. Eu amo o flow da Bivolt nessa de novo. Com a participação de Lucas Boombeat (Quebrada Queer), irmão da Bivolt – que chega chutando a cabeça também na rima -, esse é outro ponto alto do disco.

 

220v – Antes do bumbo com um grave pesado entrar, Bivolt já está cuspindo rap. “O brilho tá na boca e na alma, então calma / Que as prata e diamante já não vale mais nada”. Sim, você recebeu dois convites pra duas festas diferentes, que rolam no mesmo lugar. Um detalhe curioso: experimenta dar play nas faixas 110v e 220v juntas. Abre duas janelas do seu navegador aí e dá play nelas ao mesmo tempo. Tcha-na! É uma nova faixa! Além de um divertido truque de produção, abre também interpretação para uma noção mais profunda da personagem Bivolt: ela funciona em duas frequências ao mesmo tempo. Como todo mundo, a vida é mais complexa que lá ou cá. É lá e cá toda hora.

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Nego Gallo lança videoclipe e planeja disco novo da Costa a Costa para 2020 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/26/nego-gallo-lanca-videoclipe-e-planeja-disco-novo-da-costa-a-costa-para-2020/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/26/nego-gallo-lanca-videoclipe-e-planeja-disco-novo-da-costa-a-costa-para-2020/#respond Thu, 26 Dec 2019 20:22:12 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=219
O Nego Gallo tem aperto de mão firme. Encara no olho quando fala. Pode ter sido daí que ele ganhou a fama de ser tão real. Ele é sério até abrir um sorriso e você ver que ele é o seu xapa daquelas canções, de Costa a Costa até sua carreia solo. Há muitos anos no game, ele deu pontapé em 2019 com a mixtape “Veterano”, um dos trabalhos mais foda do ano. Fez um show histórico de estreia com participação de Don L e outros irmãos. Antes de fechar o ano, ele resolveu dar um presente de Natal pra gente com o videoclipe de “Onda Há Fogo Há Fumaça”. A equipe do Rap Cru (leia-se Ronald Rios e as vozes em sua cabeça) quebrou o recesso do fim de ano para conversar com essa figura talentosíssima:
Ronald: Ainda deu tempo de lançar um clipe pra fechar o ano. Escolheu “Onde Há Fogo” por quê?

Gallo: Verdade. Uma grata surpresa. Na real não acompanhei o processo depois das gravações que se deram em março mas fiquei muito feliz com o resultado. A faixa é uma das que eu mais gosto e tem a sonoridade que buscamos e tenho identificação. Um presente de Larozza, André Maleronka e Don L pra mim e pra geral que acompanha.

Ronald: Como você avalia seu 2019? Um dos trampos mais cotados do ano, um show histórico no SESC Pompéia, qual foi o saldo? Faltou alguma coisa ou tá contente?

Gallo: 2019 foi um ano de lutas e desafios em um país polarizado em que a Economia se encontra estagnada. Para a arte isso significa quase sempre o investimento no “mais do mesmo”, tendo pouca ou quase nenhuma oportunidade para nomes fora do eixo (Sudeste). Mas trago o sentimento de gratidão por todos os amigos que fiz e venho fazendo. O episódio do SESC me traz a sensação de dever cumprido que começou um tempo antes quando reuni no SESC Belenzinho oportunizando a outros da minha região essa experiência através do apoio de nossos amigos em São Paulo.
Ronald: Por não morar em SP, você acha que é mais embaçado pro seu nome ser mencionado nas conversas na cena aqui? A porra do networking, né?

Gallo: Na verdade não acho que estar em Fortaleza-CE seja o problema. Aviões existem pra facilitar isso. Como falei, realizamos shows importantes com críticas positivas. O que me parece é que não é do interesse dos promotores de festa no Sudeste ter nomes de outras regiões. Falo especificamente dos nordestinos. Mas num país como o nosso, acredito que é melhor não estar nesses espaços. Eu quero algo novo.

Ronald: No show de lançamento do seu disco, vocês meteram um Costa a Costa para catarse da galera. Vocês pensam em lançar um projeto juntos ainda?

Gallo: Eu e Don falamos disso em Jericoacoara. Quero lançar um álbum com inéditas do Costa a Costa no final de 2020. Vamos nos organizar pra tornar isso viável.

 

Ronald: Aliás, é só questão de liberação de samples que impede as músicas do Costa a Costa de estar nas plataformas digitais?

Galo: Sim, isso é um impeditivo. Outro motivo é nossa vontade de que os royalties gerados sejam revertidos para o Flip Jay, amigo e DJ que nos acompanhava naquele momento.

Ronald: Você é o veterano com sede de novato. O negócio de música é meio maluco, a exposição mexe com as pessoas. Como você faz pra segurar sua onda e administrar as preocupações que vem com o ofício de MC?Gallo: Na real não me sinto diferente em nada e as preocupações que esse trampo traz nem de longe são algo que eu possa enxergar como pressão ou algo assim. Eu sigo trabalhando muitas vezes, não com a musica. Eu sigo o mesmo sem frescura.

Ronald: “Veterano” é um trampo muito fresco, meses depois ainda é super divertido ouvi-lo. E isso é meio que uma parada que eu noto nos seus versos. Sempre tem um sabor atual. Qual cuidado cê tem na construção das músicas pra elas não serem descartáveis?

Gallo: Fico feliz de você se sentir assim com o álbum. Porque é bem isso desde o Costa a Costa: estar conectado com o Brasil real. A apatia e alienação são tudo que eu não quero na minha música.

Ronald: E 2020? O que o Gallo traz pra nóis?

Gallo: Bom, 2020 é o inicio de uma década que me enche de esperança. Já trabalhamos algumas novas faixas e conversamos com outros artistas pra essa nova empreitada, então que venham os melhores sentimentos porque os desafios estão aí e os nordestinos vivem lutas épicas.
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Rap Cru: Os 10 Melhores Discos do Rap Gringo em 2019 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/20/rap-cru-os-10-melhores-discos-do-rap-gringo-em-2019/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/20/rap-cru-os-10-melhores-discos-do-rap-gringo-em-2019/#respond Fri, 20 Dec 2019 21:13:53 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=206 Olá, degenerados! Chegou o momento mais importante da música mundial: o troféu Rap Cru Awards. Foi com certeza um ano muito em rico em mixtapes, discos, EPs e tudo mais. Eu ouvi muita coisa e ainda sinto que faltou ouvido para mais uma dezena de álbuns. Mas o relógio está batendo e essa é a hora de revelar o CREME do rap internacional em 2019. Fique atento e consciente de que essa é uma lista pessoal de Ronald Rios, logo é praticamente como se fosse um fato escrito em pedra.

Vamos a isso!

10. The Weeklys Vol1 – KXNG Crooked

1/4 da finada – até segunda ordem – Slaughterhouse, o MC de Long Beach, California, lançou um som novo por semana ao longo de 2019. Foi muito rap. “Weeklys 1” é uma espécie de mixtape com os primeiros lançamentos do ano. Eu podia indicar a 2 ou 3, que também ouvi muito mas essa tem um sabor especial. É o começo de um projeto ousado – que acabou por ser bem sucedido -, então Crooked tinha que já largar na frente com pé de chumbo no pedal. Reacender samples famosos no Hip Hop, dando um sabor fresco a eles e fazendo justiça às canções que fizeram notáveis esses samples, não era um trabalho fácil. Tem que ser alguém com algumas horas de vôo para tirar essa onda. E Crooked tirou pelo ano inteiro.  Começando por “96s” onde ele FLIPA o sample de “Can I Live?”, clássico de 96 do Jay-Z. Baita cara lírico, o cara tem barras para semanas. Para um ano inteiro, na real. Mixtape shit.

9. It Wasn’t Even Close – Your Old Droog

Sombrio, sarcástico, fucking asshole. Your Old Droog te traz vibes de Nas – mas com um estilo ainda mais relaxado, como quem olha para o despertador e em vez de apertar “soneca”, já tira a bateria. Flow muito agradável em cima de loops lo-fi, fortes no baixo. Droog ainda viria a lançar mais um disco no mesmo ano, “Transportation”, outro êxito que dividiu os fãs numa dúvida muito boa: qual é o melhor? Eu sou mais fã do primeiro mas nada contra o segundo, tenho até amigos que são. Com um flow despreocupado mas uma caneta que amarra sílabas muito bem, em alguns momentos Droog lembra o MF Doom em Madvillainy – mas ele tem a benção do Vilão do Rap, que participa da faixa “RST”. Discasso de ponta a ponta.

8. Revenge of the Dreamers 3 – Dreamville & J. Cole

Eu sou um cara desconfiado de discos de crew. Muitos sabores diferentes podem dar numa salada de leite condensado com linguiça – um sabor que provavelmente existe na Pizzaria Bate-Papo, e se não existir, estão perdendo dinheiro. Então eu não estava esperando muita coisa desse disco, exceto algumas faixas que desse para pegar e colocar numa playlist pessoal depois. Mas uau, J. Cole soube conduzir sua galera com muito cuidado e o resultado é como se fosse um grupo de rap original. Tem espaço para todo mundo brilhar, Bas, JID, Omen, EarthGang… e logicamente, Cole que está pelo disco todo e é o único a ter sua faixa solo, “MIDDLE CHILD”, que traz um pouco daquele Cole levemente professoral – mas com excelente lírica para fazer você sentir ele, querendo ou não. Fora que J Cole conseguiu sair um pouco da casinha solitária em que ele vive (“PLATINUM WITH NO FEATURES!!!”) e veio brincar com mais amigos, isso é importante de vez em quando. O disco é um belo truque que ele tirou da cartola como maestro mas o time todo tá de parabéns, feliz com os 3 pontos que a gente veio conquistar e agora é pensar no próximo jogo contra o Avaí.

7. WWCD (What Would Chine Gun Do) –  Griselda 

 

O ano foi indiscutivelmente da Griselda Records. Benny The Butcher, Conway the Machine e Westside Gunn atacaram com projetos solos, EPs, mixtapes, discos, e todos num nível altíssimo de qualidade. Eles esperaram o fim do ano para formar como um Megazord o grupo “Griselda” e vir com o disco “WWCD” para encerrar as operações de 2019 em grande estilo, tendo seu primeiro lançamento em uma gravadora maior, Shady Records/Interscope e com um contrato de gerenciamento da Roc Nation. Quando você tem Jay-Z e Eminem financiando o seu rap, você não precisa de singles quentes no rap. Apenas o boom bap rasgado olhando pro futuro. É o que eu mais gosto. Traz o espírito sujão dos anos 90 mas com sutilezas que apontam para frente. Detalhe: o disco não tem samples. Isso não é algo positivo ou negativo, apenas uma observação que dá para buscar aquela sonoridade com cara de velhice sem ter que se preocupar em buscar liberação  dos samples quando já tá tudo pronto – normalmente o padrão da indústria, o que atrasa lançamentos, mantém faixas foras de discos, encarece os custos e tudo mais. Créditos pela equipe de beatmakers assassina formada por Beat Butcha e Daringer.

6. May The Lord Watch – Little Brother

Seguinte, eu estava um pouco preocupado com essa volta do Little Brother sem 9Th Wonder. Todo mundo meio que estava. Aquele medo de faltar alguma coisa. A real é que não fez diferença, com todo respeito a um dos maiores produtores que há. Mas Phone e Big Pooh são tudo menos bobos. Eles juntaram um pequeno time de produtores (em especial quem mais trabalhou foi Khrysis e Zo!) que trouxeram seu próprio sabor, mas sabendo atender as necessidades da dupla de MCs, que se perderam seu principal beatmaker, são MCs bem melhores em 2019 do que há 14 anos atrás, em “The Ministrel Show”. Acaba compensando. Phonte continua com seu senso de humor sutil que dá para perceber tanto nas letras como em alguns detalhes da produção – ele cuida de algumas faixas também -, vinhetas, etc. Não tem como você ir errado com esse disco. NÃO TEM.

5. One of The Best Yet – Gang Starr 

Ok, eu não achei que iria ouvir um disco do Gang Starr nunca mais. Eu não fazia ideia de que havia isso tudo de gravações do Guru antes de falecer. E principalmente, eu não podia imaginar a qualidade das rimas. Uma coisa comum no rap – 2Pac e Big podem falar melhor sobre – é produtores aproveitarem versos gravados em vida dos MCs, chamarem algum parça do cara – ou pior, alguém que ele nem conhecia… e vir com um produto que só agrada os fãs hardcore mesmo – quando isso. Mas não. Premier estava há anos sentado em cima de horas de rimas. Algumas coisas muito boas para serem canções inteiras, algumas tinham um verso – e ele tem a autonomia para chamar quem quiser, sendo 1/2 do Gang Starr, algo que garante a integridade do projeto – e algumas coisas serviam para recortar, colar, fazer uns scratches, uns refrões e o que mais a cabeça do Premier conseguisse criar. É lógico que uma ou outra referência pop do Guru pode estar razoavelmente datada mas não é como se ele fizesse namedropping de noticiário a cada barra; ele rima sobre coisas universais que funcionariam 20 anos atrás ou 20 anos daqui pra frente. Seu estilo é inconfundível, Premier tem muito bom gosto e é tudo que você precisa saber sobre um dos melhores discos do ano. O título não é nenhum exagero. Realmente um dos melhores até então. Sem palhaçada por aqui.

4. Hitler Wears Hermes 7 – Westside Gunn

 

“The New King of New York”, Westside já vem avisando em “Broadway Joes”. Eu sinceramente não sabia qual projeto do Gunn eu colocaria aqui. Eu fui com esse mas podia ter sido “Fly God…” facilmente. Gunn anunciou aposentadoria já pra 2021 e eu sinceramente entendo. Ele criou em 2019 em quantidade e qualidade o que rappers levam 7, 10 anos às vezes. Esse aí trabalhou. E deu trabalho para outros MCs. Projeto após projeto, trazendo o rap com mochila nas costas, abusado, uma voz única, e uma única preocupação: destruir em linhas. Sem cantoria, sem virada de beat, sem U2 nem Alicia Keys. Manter as coisas simples e focadas naquele rap de ouvir no ônibus fazendo translado de 1 hora pela cidade e depois ainda pegar o metrô pra chegar no trabalho. Rap de trabalhador.

3. Eve – Rapsody

Goddess MC. Essa é a braba. Muitas metáforas e trocadilhos inteligentes, um excelente ouvido para as batidas, pronunciação cuidadosa; Rapsody é uma das melhores rappers do mundo há alguns anos. Esse disco veio só para constatar o óbvio mais uma vez. Ela tem 99 problemas mas rimar não é um deles. Ela faz todos os seus reclames com linhas criativas, mantendo você entretido e alerta o tempo todo. Você fica ouvindo e falando “realmente, o mundo tá todo cagado” mas através das melhores alegorias e passagens visuais que ela consegue criar com palavras. Muito talento, muita cabeça. Reverência completa.

2. Statue of Limitations – Smoke DZA e Benny The Butcher

Seis faixas, EP, eu não ligo. Tamanho não é documento, foi o que eu ouvi a vida inteira de pessoas prestes a me bater – e depois de me bater também.

Mas sério, não tem como excluir esse projeto só por causa do tamanho – especialmente depois que virou moda lançar disco de 7 músicas. Você tem Smoke DZA em excelente forma como de costume. Benny mostrando mais uma vez que os caras de Buffalo não estão aqui para brincadeira, Grisela é real. Pete Rock na produção de todas as faixas. Bagulho rueiro mesmo, thug life, vida loka até umas horas. Para ouvir caminhando de jaco no Centro no meio da madrugada. Eu ouvi – e ouço – esse trampo no repeat desde que saiu. Poucas coisas me chamaram atenção tanto quanto isso. É um daqueles discos que eu sei que vou voltar a vida toda. E toda vez que eu ouço faixas como Smoked and Butchered (com participação do Styles P), eu penso “meu Deus, o rap não podia voltar a ser sempre assim?” Eu sei, eu sou um guardinha. Viva ao trap, aproveitem jovens. Um dia vocês vão virar um velho amargo como eu. E às vezes vocês vão tropeçar num novo tipo de rap no futuro e vão relembrar com saudades dos bons tempos de Migos e Young Thug para reclamar: “Não dá pro rap voltar a ser assim?

  1. Bandana – Freddie Gibbs e Madlib, os MadGibbs

Madlib fez história já ao lado de vários MCs. E ele parece estar só começando. Usando uma sampleadora simples ou um iPad, ele é o cara que consegue puxar samples, recortes e tudo mais de um monte de lugar para criar algo novo, fresquíssimo e provavelmente com mais samples do que o encarte vem dizendo. Esse é lance dele. Encaixar um sample que você não sabe daonde veio. Parece até um jogo, um truque de mágica. E ele vem enganando à RIAA há tempos.

Freddie Gibbs é fuleiragem, treta, drogas – e muita rima. Humor distorcido pra cacete. Presença cabulosa. Constroi refrões bem herméticos. E lógico, tudo isso é estimulado pelos beats do Madlib. Depois de Piñata, o hype para Bandana era monstruoso. E ele entregou. Bandana bate mais forte ainda. Ele vai em vários lugares e usa sua voz para fazer um contraste à melodia, em vez de segui-la, criando uma sensação que bate antes de chegar o liricismo – que é de primeira linha. É meio óbvio esse disco estar em primeiro. Mas tem algum motivo, né?

É isso, galera. Em 2020 eu venho aqui ditar o que é melhor e digno de ouvir de novo. Lembrando que isso aqui é só minha opinião – e ela é invariavelmente um fato.

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Tasha, Tracie e Ashira atacam com o anacrônico “ROUFF” http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/19/tasha-tracie-e-ashira-atacam-com-o-anacronico-rouff/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/19/tasha-tracie-e-ashira-atacam-com-o-anacronico-rouff/#respond Thu, 19 Dec 2019 16:00:22 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=196

Tracie e Tasha são figuradas conhecidas na cena de Hip Hop paulistano. As gêmeas Okereke são DJs, artistas fashion, tocam bailes e usaram toda a credibilidade e conhecimento da causa para, juntas de Ashira, meterem um dos meus EPs favoritos na rua esse ano, ROUFF. Tem uma parada futurista mas olhando com muita reverência pro passado. Tem muita letra, uma pegada lo-fi na mix, e principalmente muita marra.

Foi definitivamente um refresco sonoro em relação a outros projetos do rap nacional que na busca por agradar demais um determinado público, acabam por soar tão parecidos. Não é o caso de ROUFF. Bati um papo com as gêmeas mais relevantes na cultura brasileira desde Flávio e Gustavo – por onde andam esses adoráveis mancebos?

 

Ronald: Na primeira faixa, você já entende que isso é um disco marrento, com um flow rasgadão. É muita punch, bagulho real. Eu gosto do refrão meio low-fi, a melodia me lembra algo do Doggystyle, suave e sombrio, agridoce. Como é o processo criativo de vocês? E o que tem no caldeirão de influências de vocês?

Tasha: Sim! Temos o álbum “Doggystyle” tatuado no braço! A gente não pensou nele pra fazer a Flo Jo mas acho que mesmo que subconscientemente acaba influenciando muito a gente, então nosso processo criativo varia muito. No Rouff nos juntamos com a Ashira, bebíamos, ouvíamos músicas aleatórias, até termos uma idéia. A gente tem quilômetros de rimas anotadas de anos atrás também, então às vezes a gente olha as anotações pra dar uma luz… nós sabíamos que queríamos fazer um house, e o beat dessa foi o mais rápido. A Carol já chegou com ele na bala que a gente queria e aí foi perfeito… nossas influências principais são melodias, tipo Steve Arrington, Carl Carlton também, Tears for Fears, rap em geral. A gente curte muito Tha Dogg Pound, 2Pac, mas também muito rap de NY e sulita. Lord Tariq and Peter Gunz é outra grande influência. A gente gosta demais de R&B… tipo demais mesmo, Jodeci, Kut Klose, na real a gente ouve tudo. A gente gosta de pesquisar… amamos música em geral.
Ronald: A segunda track vocês já metem um pouco mais de sensualidade, momento monange. Com letra pra caralho. A música de vocês é aquele que dá para tirar uma onda, festejar mas mantendo uma qualidade nas rimas, fugindo da tendência atual de maior repetição pra marcar algo?

Tasha: Sim, a gente ouve e sente, imagina uma estética. Se precisar de repetição a gente faz, mas a gente exige muito da música. Num todo a gente tem que tá satisfeita e se tiver repetição, legal, mas se a letra tiver fraca na nossa visão, a gente não vai aceitar e vai refazer até dar certo… Se repetição fizer sentido ela vai ter que ter tanta potência quanto a letra.

 

Ronald: Vocês se envolvem quanto na produção? Eu consigo pegar referências atuais nos beats que vocês usam mas tem algo diferente na mixagem, que torna só de vocês. As vozes são distintas, os refrões…

Tracie: Tudo que a gente faz, a gente se envolve ao máximo. A gente respeita a estética de quem tá colaborando, mas tem que ter nossa essência. A gente gosta de ouvir a música das pessoas pra não fazer igual, e buscamos referência uma na outra também….a gente gosta de dirigir, roteirizar e produzir nossos vídeos e a gente desenha as roupas. No ROUFF a Ashira botou muito da essência dela sabe, ela é o corre, batalhadora e corre atrás de fazer tudo que quer, curte coisas diferentes, pensa fora da caixa… somos 3 mulheres independentes e desobedientes (rindo) Acho que a estética do EP é essa.

Ronald: EDDB é mais fácil de grudar numa pista. Como saiu esse som?

Tracie: Então, a princípio seriam 4 músicas o EP, e tava bem em cima… mas a gente decidiu que queria fazer mais uma e a Nicole também falou que tinha que ser cinco; A gente já antes de começar o EP já queria usar o sample do Copinho. A princípio ia ser na “Cachorra Kmikze”, que inclusive teve 3 beats totalmente diferentes até a Ashira chegar do nada com esse beat bizarro. Nós achávamos que faltava uma música mais pra cima ainda e agressiva, que representasse a nossa raiva… então a gente se juntou e esse beat nasceu. Eu criei o refrão pensando numa recalcada e um dia antes do prazo final passamos a madrugada escrevendo e gravando…

Ronald: Vocês se abrem muito nas letras. Como é a sensação de botar seus sentimentos no papel, fazer isso virar um produto que toca as pessoas?

Tasha: De certa forma é liberador, a gente tem muita raiva e frustração acumulada e de certa forma escrever sobre sempre nos ajudou. Desde que a gente se entende por gente, a gente escreve poesia, tentava escrever livro , escrevia música, tudo desde criança. Nos momentos difíceis a gente tinha uma a outra e o papel. É também foda demais deixar pessoas inspiradas, sabe? A gente já foi a pessoa desencorajada e nos últimos anos a gente trabalhava tocando, falando, escrevendo e criando roupa e meio que música sintetiza tudo isso e é algo que finalmente podemos fazer!

Ronald: Eu amo Cachorra Kamikaze. Que rap pesado, vocês não tem pudor nenhum em abrir feridas. A linha do “Cazuza negro traficante” é cabulosa. Que sentimento vocês querem estimular nos ouvintes?

Tracie: Choque, fazer pensar… sentir incômodo, isso é bom, sabe? Traz mudança! Quando essas palavras vêm de mulheres então, o choque é maior porque só querem a gente como musa, como pensadora – mas como artista incomoda um pouco… Essa música é muito especial. Essa linha (Cazuza negro traficante) eu tenho guardada desde 2016, acho e achava que ninguém ia entender. Acho que ela compacta várias questões e é isso que a gente quer fazer e passar: vários sentimentos com a nossa música sabe, porque quem é se identifica, com a revolta a vileragem e o deboche (ela sai rindo debochada que só).

 

Escute ROUFF no Spotify aqui.

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Jamés Ventura – O retorno do gangsta rap no país mais gangsta http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/02/james-ventura-o-retorno-do-gangsta-rap-no-pais-mais-gangsta/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/02/james-ventura-o-retorno-do-gangsta-rap-no-pais-mais-gangsta/#respond Mon, 02 Dec 2019 14:28:51 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=192 Jamés Ventura atingiu mais do que a maturidade em “Espelho”. Ele afiou as facas e o foco está muito definido. O novo disco do rapper do condado Glicério-Cambuci é pesado, sujão, dando a real do jeito mais eficiente possível. Com beats azeitados do Pizol, Jamés trouxe toda sua influência gangueira para a cabine. Confira esse mini-doc que eu e Toni Laet fizemos sobre esse mano que trouxe um dos projetos mais especiais do rap nacional em 2019 – e isso quer dizer muito num ano que Emicida, Black Alien, niLL e Coruja lançaram disco.

 

Ouça o disco no Spotify clicando aqui. Na primeira faixa, Loco Mundão, você já vai tá babando. “Já me viu, já me viu… alto nível, alto nível… fé inabalável, inatingível!”

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Emicida inaugura a turnê de AmarElo e UAU http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/02/emicida-inaugura-a-turne-de-amarelo-e-uau/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/12/02/emicida-inaugura-a-turne-de-amarelo-e-uau/#respond Mon, 02 Dec 2019 13:55:25 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=172

Sessões no Theatro Municipal lotadas em menos de 20 minutos.

Energia altíssima. A estreia da tour de AmarElo foi uma das coisas mais emocionantes que eu já presenciei ao vivo.

Eu odeio usar essa palavra, mas tinha uma ENERGIA na casa. Eu não sei explicar. É alguma coisa entre a poesia dele e o jeito que as pessoas recebem isso no peito com uma força descomunal. É grandioso. Nenhum artista consegue fazer o que ele consegue, num nível intelectual e emocional tão grande.

Emicida é o nome mais importante da música brasileira. Não é o artista mais tocado nas rádios, não tem nem o canal de YouTube de rap mais bombado do país.

Ele tem algo mais valioso, que não dá pra explicar com números: consistência. Longevidade.

Ao longo de mais de 11 anos de carreira, ele foi crescendo o público aos poucos sem nunca comprometer a integridade da sua música ou entrar em polêmica vazia. Quando ele fala, todo mundo ouve com reverência. Ele é uma alma velha. Com sonhos de garoto. AmarElo é um novo golaço dele e o show novo é incrível.

Ele tocou algumas músicas antigas, lá do Doozicabraba, do primeiro e segundo disco ainda e é incrível como elas tem força e conseguem emocionar como se fossem produtos frescos. Não parece que ele tá cumprindo tabela em tocar uns hits antigos. As músicas parecem mais maduras, elas conversam com as músicas do disco novo.

Consistência, né?

Quando ele pediu uma salva de palmas para o pessoal do Movimento Negro Unificado – pessoas corajosas que lutaram na escadaria do mesmo Municipal 50 anos atrás – que estavam presentes na casa, os olhos desse robô que sou eu deram uma marejada forte. Só Leandro.

Majur e Pablo Vittar vieram ao palco para cantar a faixa título com sample de Belchior. Que coisa incrível foi. Catarse mesmo. Eu sei que vai ser complicado juntar o trio mais vezes pois agendas são complicadas, mas eles devem se esforçar ao máximo para que isso aconteça. Confesso que nunca dei muita atenção a música de Pablo Vittar – a única coisa que conhecia era aquele single com a Anitta sobre rebolar na sua cara ou algo assim, então nunca levei muito a sério. Mas o Emicida uma vez conseguiu me convencer a assistir “Os Aventureiros do Bairro Perdido” com Kurt Russel – então vender um produto como Pablo Vittar não é muito difícil para ele. Eu comprei. E sou um cliente satisfeito.

Que banda maravilhosa ele tem. Que banda FODA. Vozes, metais, guitar. Destaque para a melhor baterista do Brasil, Sivuquinha. A batera que toca em pé. Coisas que a gente vê no show do Emicida.

Acima de tudo, é um show sobre orgulho. Orgulho de crescer, orgulho negro e orgulho de lutar. Orgulho de manter a cabeça em pé. Eu só posso recomendar que você, em qualquer lugar do Brasil vá assistir esse show. Logo mais vai estar na sua cidade. Leve os amigos, a amada, o amado e seja feliz. Deixa a emoção rolar.

Emicida, você é um danado.

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O rap tem sentimentos mistos sobre o Grammy http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/11/21/o-rap-tem-sentimentos-mistos-sobre-o-grammy/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/11/21/o-rap-tem-sentimentos-mistos-sobre-o-grammy/#respond Thu, 21 Nov 2019 14:14:17 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=188

Eu sou que nem vocês. Eu me empolgo, eu faço pouco caso. Se o Grammy olha pros discos que eu gosto, é um barato que a premiação exista. Se ignorar os artistas e projetos que respeito, foda-se o Grammy, eles “nunca entenderam rap” mesmo. “Grammy é a turma que deu um prêmio pro Macklemore em cima do Good Kid Madd City do Kendrick Lamar” é frase proferida em conclusão de qualquer debate sobre a legitimidade do prêmio no reconhecimento do rap. “A gente não precisa deles.”

E ainda assim todo ano vamos olhar a lista de indicados. Vamos assistir a noite da premiação. Porque no fundo a gente quer um lugar na mesa. A gente quer que o Grammy entenda o rap porque a gente ama rap o bastante para querer vê-lo respeitado de forma oficial. É bem simples a lógica. O problema são as variáveis.

Quem entra no Grammy? É um misto de popularidade com vendas com credibilidade mínima entre os críticos. Não tem uma conta certa, o quanto vale pra cada coisa. Acaba caindo pro lado mais comercial – o que não se traduz quando se fala do artista ou álbum do ano, em que normalmente ignoram o rap. Entra o preconceito com o rap da turma que vota. Do mesmo jeito que o funk carioca – seja lá em que unidade da federação ele for feito, o nome para mim é “funk carioca” – ainda está saindo da fase de ouvir piadinhas do tipo “isso é música?”, o rap sofria com isso até não muito tempo atrás. Ainda sofre, na real. É velado, menor que 20 anos atrás mas real.

Mas focando nas categorias de rap – que é por onde o Grammy tem que começar a acertar sua percepção -, e especialmente nas indicações de bons projetos, vale mencionar que J Cole apareceu bem – seja solo ou junto da banca da Dreamville no fantástico disco “The Revenge of the Dreamers III”. Nipsey Hussle entrando em 3 categorias é mais uma vez a prova de que as rosas sempre chegam atrasadas. Curti que Meek Mill faturou uma indicação de melhor do ano pelo bacana “Championships”. Fiquei um pouco decepcionado pela ignorada na Rapsody que merecia mais spotlight com seu “Eve” mas novamente: vendas importam. O disco debutou em 76 na Billboard. Não é número para entrar em disputa.

O Tyler entrar na categoria de melhor disco de rap na com essencialmente um disco que não é de rap mostra bem o que o Grammy anda olhando: quanto menos rap, melhor. Quanto mais longe da essência, mais fácil de ser diluído pelos críticos “especializados” e pelo público fast food.

E infelizmente números mandam.

Às vezes me pergunto se o rap tá virando vítima do algoritmo.

Capaz.

Paz!

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A importância de Diddy para Notorious B.I.G http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/11/07/a-importancia-de-diddy-para-notorious-b-i-g/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/11/07/a-importancia-de-diddy-para-notorious-b-i-g/#respond Thu, 07 Nov 2019 14:09:36 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=184

Diddy, o chefão da Bad Boy Records é ao mesmo tempo uma das figuras mais importantes da história do rap e uma das mais folclóricas. A infâmia por trás da linha “Não se preocupe se eu escrevo rimas / Eu escrevo cheques” no hit “Bad Boy For Life” é um tapa na cara dos puristas do gênero. O fato dele encaixar a voz em quase todas as músicas do Biggie – especialmente no segundo álbum, quando ele já estava a vontade pra rimar como feature – sempre foi motivo de piada. Quanto às aparições nos videoclipes do Big então, wow, incautos poderiam imaginar até que “Notorious BIG” é uma dupla.

O escárnio por conta disso seria eterno a partir do dia que Suge Knight disse no Source Awards 95 – premiação da importante revista de rap – que “se você não quer um produtor executivo que fique aparecendo em todos os vídeos, você deveria assinar com a Death Row”, gravadora inimiga da Bad Boy. Foi um tiro certo na moral do Diddy.

É claro que é triste que a gravadora que foi a casa de The Lox, Craig Mack, Lil Kim, Mase e lógico, Biggie; hoje tenha como um dos artistas mais importantes o insosso Machine Gun Kelly. É claro que em alguns videoclipes eu mesmo fico com uma vergonha alheia de tanto que Puff aparece nos clipes dos seus artistas. É quase como um Michael Scott se ele fosse dono duma gravadora de rap. Você sabe que ele faria isso.

Mas uma coisa deve ser dita: a importância de Diddy para que Big fosse um dos maiores nomes da música mundial. Para que ele se transformasse num dos artistas mais populares de todos os tempos.

Diddy tinha o toque de midas.

“Ready To Die” é um disco de rap bastante hardcore. Violento, gráfico. O disco termina com Notorious se suicidando. Mas você não saberia disso se só conhecesse Big pelos singles e videoclipes – que no fim do dia, eram os fatores que vendiam os discos.

Diddy não é o produtor de meter a mão na MPC, lógico. Mas ele sabia o que queria. Ele sabia o que estimular nos seus artistas. Ele mostrou a batida de Juicy para Big, que achou muito festiva para rimar em cima. Biggie não queria. Diddy insistiu.

Se eu estou no estúdio essa hora, é lógico que eu iria ficar do lado do Big. “Essa base é muito boba. Seu som é hardcore. Puff não sabe o que tá falando.”

Big contrariado foi lá e escreveu uma canção sobre ir da lama pra fama. Uma vez que estava pronto, ele sabia. “Essa é a música que vai me transformar numa super estrela”.

Então ele ouviu Diddy de novo, que queria que ele rimasse em cima do beat que viraria “Big Poppa”, um R&B mais lentinho, mais momento monange.

As duas músicas viraram um sucesso estúpido. Elas empurraram o disco para vender muito. Eles repetiram a fórmula no segundo disco de Biggie – agora muito mais confortável com a ideia de fazer umas concessões em umas tracks.

Na verdade a indústria toda ia se inspirar naquilo. Jay-Z, Nas, 50 Cent, todo mundo que vendeu horrores nesse rap game bebeu um bocado dessa fonte. Misturar faixas hardcore com faixas mais dançantes ou sexy. Esse foi o toque do Diddy. Esse é o crédito que deve ser dado a ele: ele catapultou uma besta lírica ao sucesso de pop star – e um monte de gente seguiu a fórmula do sucesso.

Então deixa o cara aparecer nuns clipes. Está tudo bem. Ele merece. Big é um ícone hoje graças a seu talento pra rimar lógico, mas a embalagem que Diddy criou, os clipes, as roupas de mafioso old school… isso fez Notorious ser… notório.

Fora que quando Biggie partiu, Diddy nos deu esse hit: I’ll be Missing You. É impossível ouvir essa música, pensar nessa amizade e não dar uma choradinha.

 

Te amamos, Diddy.
Agora larga mão desse MGK, pelamordedeus.

Peace out!

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Existe um motivo pelo qual chamamos beat de “base” http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/10/25/existe-um-motivo-pelo-qual-chamamos-beat-de-base/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/10/25/existe-um-motivo-pelo-qual-chamamos-beat-de-base/#respond Fri, 25 Oct 2019 14:05:10 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=179
Nas sempre foi taxado como o rapper que escolhe as piores batidas – e que desde It Was Written ele anda perdido, escolhendo sempre pelo menos meia dúzia de beats meia boca. Eu nunca levei isso tão a sério, porque eu não acho que ele escolha beats ruins – eu acho que ele escolhe sim, beats chatos. Fracos, genéricos, em sua maioria. Mas ele sempre salva com o rap. Então isso compromete menos a qualidade da música dele.

Barra por barra pode-se argumentar que Nas é um melhor rimador que Jay-Z. Mas Jay-Z sabia como usar sua voz melhor e principalmente escolher os melhores beats. O que Jay-Z comprometeu em flow – e ele fez isso depois que o Reasonable Doubt não deu certo -, ele mais do que compensou com hits inesquecíveis que tinham beats legendário como… base.

Kanye West é um rapper bom – só. Ele não está em nenhuma lista de Top 5 MCs, já notou? Mas foi erguido ao status de superstar porque sua música era rica em beats. Seus primeiros álbuns, a trinca do ursinho, é simplesmente beat certeiro atrás de beat certeiro. Tudo é material para single. Com um flow decente e uma mensagem original, Kanye fez discos clássicos sem ser exatamente o MC mais lírico do mundo.

 

Ultimamente a coroa de mau escolhedor de beat foi passada para Eminem. Havia alguns beats ruins em Recovery. Alguns ruins em MMLP2. Mas Revival foi simplesmente um pack de beats intragáveis. Música pop feita para estádios da forma mais pasteurizada possível. Eminem acredita que seu super talento na lírica compensa o fato dele escolher beats pop – que na cabeça dele cumprem o papel comercial que lhe é exigido. Então a parte que ele deixa para ser fora da caixa é no rap. Mas tem uma hora que não funciona. Os beats do Nas são chatos. Os do Eminem são impossíveis. Não existe lírica, metáfora, punchs, multissilábica, rimas internas ou o que for que ele sempre traz brilhantemente que salve a experiência de ouvir a música dele. O que é algo que não faz sentido porque um disco que sai com o selo de execução produtiva do Dr Dre não pode ter bases ruins. Senão o artista samba – e não do jeito certo.

Por isso gosto de como chamamos beat de “base”. É sempre isso: a fundação para um rap daora. Quando o DJ soltar, as pessoas têm que pirar antes de você cuspir rimas. Um bom rapper tem boas bases. Saber escolhê-las é parte do processo de ser um bom compositor.

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Rapper niLL atravessa novos caminhos na experiência musical de “Lógos” http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/10/22/rapper-nill-atravessa-novos-caminhos-na-experiencia-musical-de-logos/ http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/2019/10/22/rapper-nill-atravessa-novos-caminhos-na-experiencia-musical-de-logos/#respond Tue, 22 Oct 2019 14:56:22 +0000 http://rapcru.blogosfera.uol.com.br/?p=166

niLL é um cara livre. Que anda em zigue zague. Quando você pensa que entendeu a música dele, ele traz alguma coisa nova depois de fazer uma curva fechada dessas pique Speed Racer. Ele produziu os beats de “Regina” num computador caindo aos pedaços. Um dos discos mais inovadores e anacrônicos do que pode ser o rap nacional. Caiu em graças. Fez muito show. Fortaleceu sua Soundfood Gang, botou ela no mapa. Esse ano com mais experiência (e um computador melhor) ele solta “Lógos”, o disco em que ele sai da estrada e entra com o carro dirigindo numa floresta futurista a 120 km/h. Você está no banco do carona com ele. Só ele sabe o destino. Mas você confia nele porque você simplesmente confia no carisma dele. O olhar de bom menino quase faz você esquecer a malícia do precoce perfeccionista inovador que ele é. Conversamos um pouco sobre o projeto. Sem mais delongas, um papo com um cara que eu tenho orgulho de chamar de gênio e irmão, niLL, a.k.a O Adotado:

Ronald: Qual é o seu barato em trabalhar sua voz de formas tão diferentes ao longo do disco?

niLL: Tem vários fatores que motivam a mexer nas vozes, deixar diferente. Gosto de como soa, parece que não sou eu às vezes, é como se incorporasse um personagem. Dá vida na cabeça das pessoas. Acho legal os meus discos terem essa conversa. A gente pode criar um universo com um personagem cantando. Eu tenho liberdade pra questionar outras coisas, contar uma história, impor uma outra persona na lírica.

Ronald: O verso do BK, incrivel como encaixou. Vocês parecem de universos tão diferentes. Você ficou surpreso com a forma que casaram?

niLL: A gente se conheceu há um tempo, ficou uns dias de rolê. Somos realmente de universos diferentes, mas eu quando fiz esse som com o (produtor) CrimeNow, na hora eu já saquei que essa seria uma música boa pra fazer com o BK. Eu já imaginava muito um som nosso e sabia que seria uma parada maneira. Gosto muito do jeito que ele escreve, a entonação da voz dele… então geram muitas possibilidades. Por isso a gente chegou nesse resultado.

Ronald: Você quer fazer as pessoas dançar?

niLL: Sim, mano, eu pensei nisso. Nos outros trabalhos eu não tava nem ligando. Desde que eu terminei a “Good Smell”, eu já comecei a pensar nisso. O “Lógos” é justamente para isso: pras pessoas poderem dançar, relaxar. Quero que elas tenham só uma experiência sonora muito agradável, especial e única.

 

Ronald: Você é um dos produtores mais originais de rap no Brasil. Como você gosta de compor o beat? Caçar a melodia primeiro, o ritmo, como você pinta esse quadro?

niLL: Pô, mano, fico muito feliz com isso que você disse, fico feliz pra caralho. Essa semana eu fiz uns beats começando com a bateria, buscando ritmo, pra tentar achar algo. Mas quando eu quero começar a testar musicalidade, acordes, notas, acordes, eu começo pela melodia. Varia, tá ligado?

Ronald: Adoro “Descendente de Yasuke”. Você parece um cara que venceu já, no “Regina”, mas que ainda tem sede pra comer mais. Como avalia o seu momento na carreira agora?

niLL: Então, mano, eu me considero um vencedor sim, por tudo que a gente já fez até agora. E quero muito mais, a sede é a mesma de quando a gente começou. Acho que o fogo do primeiro encontro tem que manter pra sempre, é como me encontro com a música. No meu momento de agora é fazer o que faço sempre: estudar uns ritmos que gosto e tentar adaptar isso pra nossa música. Trazer novas sonoridades, ritmos e ensinar aos ouvintes, às pessoas que estão se aproximando do meu trabalho, a valorizar a experiência sonora. Sentar e ouvir uma, duas músicas, um disco inteiro. Enfim, ouvir uma obra e ter uma experiência que só você sentiu. E se você encontrar alguém que sentiu algo parecido, já nasce um diálogo dali. Surge vivência a partir da música.

Ronald: Eu acho o “Regina” já bastante fora da curva, em termos de produção. O “Lógos” é mais ainda. Como você equilibra a parada de ser um cara que faz melodias muito gostosas, bem pop, mas numa produção mais desafiadora e complexa?

niLL: Tem um aprendizado que tenho desde que comecei a produzir. Fazer um trabalho prum mainstream e um trabalho pro underground. Eu mesclo um pouco de tudo desde sempre. Fazer o que eu gosto, a música que eu desejo e almejo. Então eu consigo fazer algo que gosto e envolver um experimento novo, pegar um som de outro continente, misturar isso tudo. Tem um desafio aí. Aí que tá a graça da parada.

Ronald: “Jive” é espetacular. Pra mim isso devia ser a música pop brasileira. Você tá tentando criar uma música para mais fãs mas sem comprometer as pirações da sua musicalidade?

niLL: Essa música é com certeza uma parada que chega num público mais pop, mas eu quero mostrar as coisas que me trouxeram até aqui também; para as pessoas sentirem esse balanço, terem essa experiência sonora que eu tanto falo: o que as pessoas têm a dizer, o que vão falar depois de passarem por isso. Essa é a pira. O Brasil tá num momento bom de musicalidade. Muitos espaços vêm sendo abertos graças a trabalhos de diversos artistas. Então estamos num bom pra explorar bastante coisa, sacou?

 

Ronald: Como foi trampar com o Nave cantando num beat na levada dele mas pensado pra sua música?

niLL: Foi mágico. A gente se encontrou na rua num evento – a gente tava num show do Don L -, eu queria falar com ele… mas fiquei meio assim, “falo ou não falo…”, aí pensei “foda-se” e fui falar com ele. Quando fui falar de enviar um beat meio vaporwave para ele, ele já mandou: “Mano, eu tenho um bagulho guardado já que é a sua cara.” Aí eu não consegui mais me concentrar no show. Eu sempre quis trampar num beat do Nave. A gente saiu do show, ele me mostrou e eu chapei. No dia seguinte já sentei no estúdio e gravei a guia. Depois disso só felicidade e alegria. Mandamos pro Luiz Café, que finalizou com os toques mágicos dele e agora o som tá na rua.

Ronald: “Não me coloque na sua loja” deve ser incrível ao vivo. Como tem sido os shows do disco novo?

niLL: Os shows têm sido sensacionais. Eu tô apresentando as faixas como estão no disco, com o autotune,  ManoWill não vem fazendo mais as dobras – ele vem como backing vocal, ele vem cantando. DJ Buck também. Colocamos o CrimeNow na operação também. E sim, a “Não me coloque na sua loja” é demais ao vivo, gosto muito de fazer ela no show!

Ronald: “Sessão 26” parece a trilha do super herói que é sua persona. Qual o maior desafio desse herói hoje?

niLL: A gente tem tanto desafio que não tem um maior… mas acho que o maior é conseguir viver em paz, feliz, com a família bem. Esse ponto é o maior desafio. Eu não vejo outro bagulho não. A gente continua fazendo as pessoas ouvindo nosso trampo, né? É nossa missão, fazer as pessoas ouvirem nosso som, mas isso é algo que acontece naturalmente na carreira. Mas realmente o grande desafio é manter a paz, a felicidade, a tranquilidade. É um desafio grande, pelo menos para mim. Não que eu não seja feliz, longe disso, mas quero ter um espaço maior para respirar. Ver a família toda em paz, sem problema, só com problema pequeno. Ver meus amigos bem, todos progredindo nas suas áreas. Sei que não dá pra ser 100% mas o que a gente conseguir se livrar dos problemas maiores que são, né, dinheiro, saúde, já alivia bastante.

 

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