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Tasha, Tracie e Ashira atacam com o anacrônico "ROUFF"

Ronald Rios

19/12/2019 13h00

Tracie e Tasha são figuradas conhecidas na cena de Hip Hop paulistano. As gêmeas Okereke são DJs, artistas fashion, tocam bailes e usaram toda a credibilidade e conhecimento da causa para, juntas de Ashira, meterem um dos meus EPs favoritos na rua esse ano, ROUFF. Tem uma parada futurista mas olhando com muita reverência pro passado. Tem muita letra, uma pegada lo-fi na mix, e principalmente muita marra.

Foi definitivamente um refresco sonoro em relação a outros projetos do rap nacional que na busca por agradar demais um determinado público, acabam por soar tão parecidos. Não é o caso de ROUFF. Bati um papo com as gêmeas mais relevantes na cultura brasileira desde Flávio e Gustavo – por onde andam esses adoráveis mancebos?

 

Ronald: Na primeira faixa, você já entende que isso é um disco marrento, com um flow rasgadão. É muita punch, bagulho real. Eu gosto do refrão meio low-fi, a melodia me lembra algo do Doggystyle, suave e sombrio, agridoce. Como é o processo criativo de vocês? E o que tem no caldeirão de influências de vocês?

Tasha: Sim! Temos o álbum "Doggystyle" tatuado no braço! A gente não pensou nele pra fazer a Flo Jo mas acho que mesmo que subconscientemente acaba influenciando muito a gente, então nosso processo criativo varia muito. No Rouff nos juntamos com a Ashira, bebíamos, ouvíamos músicas aleatórias, até termos uma idéia. A gente tem quilômetros de rimas anotadas de anos atrás também, então às vezes a gente olha as anotações pra dar uma luz… nós sabíamos que queríamos fazer um house, e o beat dessa foi o mais rápido. A Carol já chegou com ele na bala que a gente queria e aí foi perfeito… nossas influências principais são melodias, tipo Steve Arrington, Carl Carlton também, Tears for Fears, rap em geral. A gente curte muito Tha Dogg Pound, 2Pac, mas também muito rap de NY e sulita. Lord Tariq and Peter Gunz é outra grande influência. A gente gosta demais de R&B… tipo demais mesmo, Jodeci, Kut Klose, na real a gente ouve tudo. A gente gosta de pesquisar… amamos música em geral.
Ronald: A segunda track vocês já metem um pouco mais de sensualidade, momento monange. Com letra pra caralho. A música de vocês é aquele que dá para tirar uma onda, festejar mas mantendo uma qualidade nas rimas, fugindo da tendência atual de maior repetição pra marcar algo?

Tasha: Sim, a gente ouve e sente, imagina uma estética. Se precisar de repetição a gente faz, mas a gente exige muito da música. Num todo a gente tem que tá satisfeita e se tiver repetição, legal, mas se a letra tiver fraca na nossa visão, a gente não vai aceitar e vai refazer até dar certo… Se repetição fizer sentido ela vai ter que ter tanta potência quanto a letra.

 

Ronald: Vocês se envolvem quanto na produção? Eu consigo pegar referências atuais nos beats que vocês usam mas tem algo diferente na mixagem, que torna só de vocês. As vozes são distintas, os refrões…

Tracie: Tudo que a gente faz, a gente se envolve ao máximo. A gente respeita a estética de quem tá colaborando, mas tem que ter nossa essência. A gente gosta de ouvir a música das pessoas pra não fazer igual, e buscamos referência uma na outra também….a gente gosta de dirigir, roteirizar e produzir nossos vídeos e a gente desenha as roupas. No ROUFF a Ashira botou muito da essência dela sabe, ela é o corre, batalhadora e corre atrás de fazer tudo que quer, curte coisas diferentes, pensa fora da caixa… somos 3 mulheres independentes e desobedientes (rindo) Acho que a estética do EP é essa.

Ronald: EDDB é mais fácil de grudar numa pista. Como saiu esse som?

Tracie: Então, a princípio seriam 4 músicas o EP, e tava bem em cima… mas a gente decidiu que queria fazer mais uma e a Nicole também falou que tinha que ser cinco; A gente já antes de começar o EP já queria usar o sample do Copinho. A princípio ia ser na "Cachorra Kmikze", que inclusive teve 3 beats totalmente diferentes até a Ashira chegar do nada com esse beat bizarro. Nós achávamos que faltava uma música mais pra cima ainda e agressiva, que representasse a nossa raiva… então a gente se juntou e esse beat nasceu. Eu criei o refrão pensando numa recalcada e um dia antes do prazo final passamos a madrugada escrevendo e gravando…

Ronald: Vocês se abrem muito nas letras. Como é a sensação de botar seus sentimentos no papel, fazer isso virar um produto que toca as pessoas?

Tasha: De certa forma é liberador, a gente tem muita raiva e frustração acumulada e de certa forma escrever sobre sempre nos ajudou. Desde que a gente se entende por gente, a gente escreve poesia, tentava escrever livro , escrevia música, tudo desde criança. Nos momentos difíceis a gente tinha uma a outra e o papel. É também foda demais deixar pessoas inspiradas, sabe? A gente já foi a pessoa desencorajada e nos últimos anos a gente trabalhava tocando, falando, escrevendo e criando roupa e meio que música sintetiza tudo isso e é algo que finalmente podemos fazer!

Ronald: Eu amo Cachorra Kamikaze. Que rap pesado, vocês não tem pudor nenhum em abrir feridas. A linha do "Cazuza negro traficante" é cabulosa. Que sentimento vocês querem estimular nos ouvintes?

Tracie: Choque, fazer pensar… sentir incômodo, isso é bom, sabe? Traz mudança! Quando essas palavras vêm de mulheres então, o choque é maior porque só querem a gente como musa, como pensadora – mas como artista incomoda um pouco… Essa música é muito especial. Essa linha (Cazuza negro traficante) eu tenho guardada desde 2016, acho e achava que ninguém ia entender. Acho que ela compacta várias questões e é isso que a gente quer fazer e passar: vários sentimentos com a nossa música sabe, porque quem é se identifica, com a revolta a vileragem e o deboche (ela sai rindo debochada que só).

 

Escute ROUFF no Spotify aqui.

Sobre o autor

Ronald Rios é roteirista, comediante e documentarista. Apresentou o "Badalhoca MTV" de 2008 a 2011 na MTV Brasil. Na Band fazia o quadro "Documento da Semana" dentro do programa CQC, num formato de pequenos docs sobre pautas atuais na sociedade brasileira. Escreveu para o Yahoo, UOL, VICE, Estadão, Playboy, Red Bull e Billboard. Em 2016 fez a série de documentários "Histórias do Rap Nacional" para a TV Gazeta. Ronald também apresentou de 2010 a 2012 o programa "Oráculo" na Jovem Pan FM e foi roteirista do Multishow de 2009 a 2011, pela produtos 2 MLQS, onde rodou o programa de TV Brazilians, eleito um dos 5 melhores pilotos de TV nacionais de 2011 pelo Festival de Pitching de TV da operadora Oi. Em 2017 e 2018 rodou pequenos docs, podcasts e campanhas multimídia para o artista Emicida na gravadora Laboratório Fantasma.

Sobre o blog

Rap Cru é o blog do roteirista e documentarista Ronald Rios sobre Hip Hop. Brasileiro, americano, britânico, latino… o que tiver beats e rimas, DJs, grafiteiros e b-boys e b-girls, tem nossa presença lá.

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