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Rapper niLL atravessa novos caminhos na experiência musical de "Lógos"

Ronald Rios

22/10/2019 11h56

niLL é um cara livre. Que anda em zigue zague. Quando você pensa que entendeu a música dele, ele traz alguma coisa nova depois de fazer uma curva fechada dessas pique Speed Racer. Ele produziu os beats de "Regina" num computador caindo aos pedaços. Um dos discos mais inovadores e anacrônicos do que pode ser o rap nacional. Caiu em graças. Fez muito show. Fortaleceu sua Soundfood Gang, botou ela no mapa. Esse ano com mais experiência (e um computador melhor) ele solta "Lógos", o disco em que ele sai da estrada e entra com o carro dirigindo numa floresta futurista a 120 km/h. Você está no banco do carona com ele. Só ele sabe o destino. Mas você confia nele porque você simplesmente confia no carisma dele. O olhar de bom menino quase faz você esquecer a malícia do precoce perfeccionista inovador que ele é. Conversamos um pouco sobre o projeto. Sem mais delongas, um papo com um cara que eu tenho orgulho de chamar de gênio e irmão, niLL, a.k.a O Adotado:

Ronald: Qual é o seu barato em trabalhar sua voz de formas tão diferentes ao longo do disco?

niLL: Tem vários fatores que motivam a mexer nas vozes, deixar diferente. Gosto de como soa, parece que não sou eu às vezes, é como se incorporasse um personagem. Dá vida na cabeça das pessoas. Acho legal os meus discos terem essa conversa. A gente pode criar um universo com um personagem cantando. Eu tenho liberdade pra questionar outras coisas, contar uma história, impor uma outra persona na lírica.

Ronald: O verso do BK, incrivel como encaixou. Vocês parecem de universos tão diferentes. Você ficou surpreso com a forma que casaram?

niLL: A gente se conheceu há um tempo, ficou uns dias de rolê. Somos realmente de universos diferentes, mas eu quando fiz esse som com o (produtor) CrimeNow, na hora eu já saquei que essa seria uma música boa pra fazer com o BK. Eu já imaginava muito um som nosso e sabia que seria uma parada maneira. Gosto muito do jeito que ele escreve, a entonação da voz dele… então geram muitas possibilidades. Por isso a gente chegou nesse resultado.

Ronald: Você quer fazer as pessoas dançar?

niLL: Sim, mano, eu pensei nisso. Nos outros trabalhos eu não tava nem ligando. Desde que eu terminei a "Good Smell", eu já comecei a pensar nisso. O "Lógos" é justamente para isso: pras pessoas poderem dançar, relaxar. Quero que elas tenham só uma experiência sonora muito agradável, especial e única.

 

Ronald: Você é um dos produtores mais originais de rap no Brasil. Como você gosta de compor o beat? Caçar a melodia primeiro, o ritmo, como você pinta esse quadro?

niLL: Pô, mano, fico muito feliz com isso que você disse, fico feliz pra caralho. Essa semana eu fiz uns beats começando com a bateria, buscando ritmo, pra tentar achar algo. Mas quando eu quero começar a testar musicalidade, acordes, notas, acordes, eu começo pela melodia. Varia, tá ligado?

Ronald: Adoro "Descendente de Yasuke". Você parece um cara que venceu já, no "Regina", mas que ainda tem sede pra comer mais. Como avalia o seu momento na carreira agora?

niLL: Então, mano, eu me considero um vencedor sim, por tudo que a gente já fez até agora. E quero muito mais, a sede é a mesma de quando a gente começou. Acho que o fogo do primeiro encontro tem que manter pra sempre, é como me encontro com a música. No meu momento de agora é fazer o que faço sempre: estudar uns ritmos que gosto e tentar adaptar isso pra nossa música. Trazer novas sonoridades, ritmos e ensinar aos ouvintes, às pessoas que estão se aproximando do meu trabalho, a valorizar a experiência sonora. Sentar e ouvir uma, duas músicas, um disco inteiro. Enfim, ouvir uma obra e ter uma experiência que só você sentiu. E se você encontrar alguém que sentiu algo parecido, já nasce um diálogo dali. Surge vivência a partir da música.

Ronald: Eu acho o "Regina" já bastante fora da curva, em termos de produção. O "Lógos" é mais ainda. Como você equilibra a parada de ser um cara que faz melodias muito gostosas, bem pop, mas numa produção mais desafiadora e complexa?

niLL: Tem um aprendizado que tenho desde que comecei a produzir. Fazer um trabalho prum mainstream e um trabalho pro underground. Eu mesclo um pouco de tudo desde sempre. Fazer o que eu gosto, a música que eu desejo e almejo. Então eu consigo fazer algo que gosto e envolver um experimento novo, pegar um som de outro continente, misturar isso tudo. Tem um desafio aí. Aí que tá a graça da parada.

Ronald: "Jive" é espetacular. Pra mim isso devia ser a música pop brasileira. Você tá tentando criar uma música para mais fãs mas sem comprometer as pirações da sua musicalidade?

niLL: Essa música é com certeza uma parada que chega num público mais pop, mas eu quero mostrar as coisas que me trouxeram até aqui também; para as pessoas sentirem esse balanço, terem essa experiência sonora que eu tanto falo: o que as pessoas têm a dizer, o que vão falar depois de passarem por isso. Essa é a pira. O Brasil tá num momento bom de musicalidade. Muitos espaços vêm sendo abertos graças a trabalhos de diversos artistas. Então estamos num bom pra explorar bastante coisa, sacou?

 

Ronald: Como foi trampar com o Nave cantando num beat na levada dele mas pensado pra sua música?

niLL: Foi mágico. A gente se encontrou na rua num evento – a gente tava num show do Don L -, eu queria falar com ele… mas fiquei meio assim, "falo ou não falo…", aí pensei "foda-se" e fui falar com ele. Quando fui falar de enviar um beat meio vaporwave para ele, ele já mandou: "Mano, eu tenho um bagulho guardado já que é a sua cara." Aí eu não consegui mais me concentrar no show. Eu sempre quis trampar num beat do Nave. A gente saiu do show, ele me mostrou e eu chapei. No dia seguinte já sentei no estúdio e gravei a guia. Depois disso só felicidade e alegria. Mandamos pro Luiz Café, que finalizou com os toques mágicos dele e agora o som tá na rua.

Ronald: "Não me coloque na sua loja" deve ser incrível ao vivo. Como tem sido os shows do disco novo?

niLL: Os shows têm sido sensacionais. Eu tô apresentando as faixas como estão no disco, com o autotune,  ManoWill não vem fazendo mais as dobras – ele vem como backing vocal, ele vem cantando. DJ Buck também. Colocamos o CrimeNow na operação também. E sim, a "Não me coloque na sua loja" é demais ao vivo, gosto muito de fazer ela no show!

Ronald: "Sessão 26" parece a trilha do super herói que é sua persona. Qual o maior desafio desse herói hoje?

niLL: A gente tem tanto desafio que não tem um maior… mas acho que o maior é conseguir viver em paz, feliz, com a família bem. Esse ponto é o maior desafio. Eu não vejo outro bagulho não. A gente continua fazendo as pessoas ouvindo nosso trampo, né? É nossa missão, fazer as pessoas ouvirem nosso som, mas isso é algo que acontece naturalmente na carreira. Mas realmente o grande desafio é manter a paz, a felicidade, a tranquilidade. É um desafio grande, pelo menos para mim. Não que eu não seja feliz, longe disso, mas quero ter um espaço maior para respirar. Ver a família toda em paz, sem problema, só com problema pequeno. Ver meus amigos bem, todos progredindo nas suas áreas. Sei que não dá pra ser 100% mas o que a gente conseguir se livrar dos problemas maiores que são, né, dinheiro, saúde, já alivia bastante.

 

Sobre o autor

Ronald Rios é roteirista, comediante e documentarista. Apresentou o "Badalhoca MTV" de 2008 a 2011 na MTV Brasil. Na Band fazia o quadro "Documento da Semana" dentro do programa CQC, num formato de pequenos docs sobre pautas atuais na sociedade brasileira. Escreveu para o Yahoo, UOL, VICE, Estadão, Playboy, Red Bull e Billboard. Em 2016 fez a série de documentários "Histórias do Rap Nacional" para a TV Gazeta. Ronald também apresentou de 2010 a 2012 o programa "Oráculo" na Jovem Pan FM e foi roteirista do Multishow de 2009 a 2011, pela produtos 2 MLQS, onde rodou o programa de TV Brazilians, eleito um dos 5 melhores pilotos de TV nacionais de 2011 pelo Festival de Pitching de TV da operadora Oi. Em 2017 e 2018 rodou pequenos docs, podcasts e campanhas multimídia para o artista Emicida na gravadora Laboratório Fantasma.

Sobre o blog

Rap Cru é o blog do roteirista e documentarista Ronald Rios sobre Hip Hop. Brasileiro, americano, britânico, latino… o que tiver beats e rimas, DJs, grafiteiros e b-boys e b-girls, tem nossa presença lá.

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