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Eminem e 1 ano de Kamikaze: Revival foi lixo ou subestimado?

Ronald Rios

13/09/2019 08h50

Recentemente "Kamikaze", último disco do Eminem, fez aniversário de 1 ano. Mas não é sobre ele esse texto. O projeto foi bem sucedido. A base do disco é uma resposta aos críticos – entre especializados, amadores e músicos – que haviam pisado no disco anterior do rapper, "Revival". Se você perguntar prum fã hardcore do Eminem, "Revival" é uma obra prima. Se você perguntar pra um crítico pretensioso, o disco é abominável. A verdade não está em nenhum dos lados. Nem com o Eminem.

Eminem age em "Kamikaze" como se as críticas ao seu trabalho fossem completamente sem fundamento. Isso deu força para ele fazer um disco contundente e tanto faz se ele está certo ou errado, uma vez que funcione. É uma batalha de rap: não importa se os argumentos batem mas sim como batem. É como um jogador de futebol que vem exibindo uma performance irregular mas ele vem e faz o gol do título: o que importa é o agora. Ele cala a torcida contra.

A verdade é que "Revival" tem faixas incríveis, que fazem frente a algumas músicas dos 3 discos clássicos dele (Slim Shady LP, MMLP 1 e Eminem Show). Mas elas estão escondidas num disco cujos beats são em maior parte muito ruins, não lembrando aquele bounce viciante que se espera do forno da Aftermarth. Pior que os beats são alguns refrões, intragáveis, com progressões pop manjadas demais. Então o cara que surgiu zombando da música pop usa ela como muleta na esperança de vender muitos discos e ser adorado simplesmente pela complexidade das letras. É inegável que ele coloca um esforço sobre humano na lírica de cada canção. E isso não é garantia de música boa.

"Bad Husband" e "Like Home" são os maiores exemplos disso. Ambas carregam letras inteligentes e complexas mas OS BEATS SÃO HORRÍVEIS. Eles não são sem graça. Eles são o pior do que a música pop pode gerar. E as rimas não salvam, por melhores que sejam. Para o Eminem, ele se basta. A fórmula dele era pop barato + letras incríveis. Ele achou que isso iria atrair o máximo possível de pessoas, quando na verdade afastou todo mundo porque em momentos do disco parece que ele está rimando na música de algum cantor pop em vez de ser seu próprio CD. Se a intenção dele é atingir o que conseguiu com o MMLP1, como sempre diz em entrevistas, ele está bem distante. Aquele CD tem batidas de rap. Algumas nem são espetaculares mas são boas o bastante para ele salvar com uma lírica e delivery impressionantes.

"Tragic Endings" eu não ouço há tanto tempo que eu nem lembro mais como é. Eu bloqueei a música como uma pessoa que eu não quero ver mais. Fiz isso com várias faixas do disco até que cheguei numa conclusão: se você cortar pela metade o (gigante) disco, você tem um discasso.

Eu tenho minha própria playlist do "Revival", e nela o disco é muito bom. Nela tem os acertos que fazem o Eminem se sentir injustiçado pela crítica. É sobre essas faixas que eu gosto de falar, pois quando você as ouve, faz muito mais sentido defender o projeto. Eu inclusivo ouço bastante até hoje, chateado sobre como tudo foi para embaixo do caminhão por conta do pacote como um todo.

"Castle" e "Arose" mostram o brilhante contador de histórias que Eminem sempre foi. É uma dobradinha em que a primeira é uma sequência de cartas pra filha e a segunda é seu ponto de vista quando teve sua pior overdose em 2007 e chegou bem perto de subir o telhado. O efeito de rebobinar a fita em "Arose" e recontar o final de "Castle" é a versão Once Upon a Time in Hollywood dessa tragédia pessoal dele. É um baita truque que ele tirou da cartola.

"Framed" e "Offended" são o bom e velho Slim Shady em chamas, a violência gráfica e cartunesca, a habilidade de conectar palavras, tudo funciona muito bem em cima de beats de rap de verdade, sem pop shit. "Offended" pra mim faz frente a várias canções clássicas dele sem dificuldades. Mas quando ela chega no disco, você já está cansado pelas faixas pop. Eu não quero ouvir Ed Sheeran no disco do Eminem. O Eminem antigo daria uma surra no Eminem atual por fazer essas faixas puláveis. "River" é terrível. Não me façam lembrar dessa música.

"Remind Me" e "Heat" sempre me divertem. É o Eminem sendo o quarto Beastie Boy, tirando um barato ao lado do Rick Rubin.

Embora eu ache a letra de "Believe" um dos melhores esforços recentes do Eminem, a ponte e o refrão são decepcionantes demais.

"Untouchable" é um dos grandes acertos dele, tocando em questões de violência policial com muita inteligência e pesquisa. Ele fez a mesma coisa em "Like Home", exceto pelo beat ser intragável. "In Your Head" também traz uma performance emocionante. São novamente em cima dos beats de rock que dividem a audiência mas ele segura a onda muito bem. O sample de Cranberries cai como uma luva nas neuroses do Eminem. Muita gente torceu o nariz. Eu achei sublime. E as minhas opiniões são fatos, você sabe.

E tem o elefante na sala, "Walk on Water", uma música que não tem beat, só um piano e a Beyoncé. É a base perfeita para o Eminem falar de todas as suas inseguranças como artista. Inseguranças essas que você vê ao longo do disco. Até hoje eu choro ouvindo o cara que dominou o mundo uma vez, hoje confuso e aberto sobre isso. O medo de estragar o legado é dividido com os fãs. Você não via um Eminem tão trepidante assim talvez desde sempre. Outra faixa que dividiu opiniões. Eu fico do lado de quem gostou. Ali sim ele ousou.

Ah, Chloraseptic é bem melhor no remix que na original. Mas você já sabia disso.

No mais, é isso. Eu convido você a ouvir minha playlist do Revival que chamo de "Revival – Rap Cru Edition" e apreciar mais esse disco, que sim, talvez seja o pior da carreira do rapper – Encore compete? – mas tem grandes joias que foram ignoradas.

Revival não é um discasso. Mas tem faixas clássicas que merecem respeito. Conceitualmente me interessam a revisitar até mais que o "Kamikaze", que no geral é um disco melhor de curtir sem precisar pular faixa.

A rigor seria isso.

Vou saindo fora.

Com amor, Ronald. Maple-flavored kisses, buttered pancakes, and syrup.

Paz!

Sobre o autor

Ronald Rios é roteirista, comediante e documentarista. Apresentou o "Badalhoca MTV" de 2008 a 2011 na MTV Brasil. Na Band fazia o quadro "Documento da Semana" dentro do programa CQC, num formato de pequenos docs sobre pautas atuais na sociedade brasileira. Escreveu para o Yahoo, UOL, VICE, Estadão, Playboy, Red Bull e Billboard. Em 2016 fez a série de documentários "Histórias do Rap Nacional" para a TV Gazeta. Ronald também apresentou de 2010 a 2012 o programa "Oráculo" na Jovem Pan FM e foi roteirista do Multishow de 2009 a 2011, pela produtos 2 MLQS, onde rodou o programa de TV Brazilians, eleito um dos 5 melhores pilotos de TV nacionais de 2011 pelo Festival de Pitching de TV da operadora Oi. Em 2017 e 2018 rodou pequenos docs, podcasts e campanhas multimídia para o artista Emicida na gravadora Laboratório Fantasma.

Sobre o blog

Rap Cru é o blog do roteirista e documentarista Ronald Rios sobre Hip Hop. Brasileiro, americano, britânico, latino… o que tiver beats e rimas, DJs, grafiteiros e b-boys e b-girls, tem nossa presença lá.

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