O rap tem sentimentos mistos sobre o Grammy
Ronald Rios
21/11/2019 11h14
Eu sou que nem vocês. Eu me empolgo, eu faço pouco caso. Se o Grammy olha pros discos que eu gosto, é um barato que a premiação exista. Se ignorar os artistas e projetos que respeito, foda-se o Grammy, eles "nunca entenderam rap" mesmo. "Grammy é a turma que deu um prêmio pro Macklemore em cima do Good Kid Madd City do Kendrick Lamar" é frase proferida em conclusão de qualquer debate sobre a legitimidade do prêmio no reconhecimento do rap. "A gente não precisa deles."
E ainda assim todo ano vamos olhar a lista de indicados. Vamos assistir a noite da premiação. Porque no fundo a gente quer um lugar na mesa. A gente quer que o Grammy entenda o rap porque a gente ama rap o bastante para querer vê-lo respeitado de forma oficial. É bem simples a lógica. O problema são as variáveis.
Quem entra no Grammy? É um misto de popularidade com vendas com credibilidade mínima entre os críticos. Não tem uma conta certa, o quanto vale pra cada coisa. Acaba caindo pro lado mais comercial – o que não se traduz quando se fala do artista ou álbum do ano, em que normalmente ignoram o rap. Entra o preconceito com o rap da turma que vota. Do mesmo jeito que o funk carioca – seja lá em que unidade da federação ele for feito, o nome para mim é "funk carioca" – ainda está saindo da fase de ouvir piadinhas do tipo "isso é música?", o rap sofria com isso até não muito tempo atrás. Ainda sofre, na real. É velado, menor que 20 anos atrás mas real.
Mas focando nas categorias de rap – que é por onde o Grammy tem que começar a acertar sua percepção -, e especialmente nas indicações de bons projetos, vale mencionar que J Cole apareceu bem – seja solo ou junto da banca da Dreamville no fantástico disco "The Revenge of the Dreamers III". Nipsey Hussle entrando em 3 categorias é mais uma vez a prova de que as rosas sempre chegam atrasadas. Curti que Meek Mill faturou uma indicação de melhor do ano pelo bacana "Championships". Fiquei um pouco decepcionado pela ignorada na Rapsody que merecia mais spotlight com seu "Eve" mas novamente: vendas importam. O disco debutou em 76 na Billboard. Não é número para entrar em disputa.
O Tyler entrar na categoria de melhor disco de rap na com essencialmente um disco que não é de rap mostra bem o que o Grammy anda olhando: quanto menos rap, melhor. Quanto mais longe da essência, mais fácil de ser diluído pelos críticos "especializados" e pelo público fast food.
E infelizmente números mandam.
Às vezes me pergunto se o rap tá virando vítima do algoritmo.
Capaz.
Paz!
Sobre o autor
Ronald Rios é roteirista, comediante e documentarista. Apresentou o "Badalhoca MTV" de 2008 a 2011 na MTV Brasil. Na Band fazia o quadro "Documento da Semana" dentro do programa CQC, num formato de pequenos docs sobre pautas atuais na sociedade brasileira. Escreveu para o Yahoo, UOL, VICE, Estadão, Playboy, Red Bull e Billboard. Em 2016 fez a série de documentários "Histórias do Rap Nacional" para a TV Gazeta. Ronald também apresentou de 2010 a 2012 o programa "Oráculo" na Jovem Pan FM e foi roteirista do Multishow de 2009 a 2011, pela produtos 2 MLQS, onde rodou o programa de TV Brazilians, eleito um dos 5 melhores pilotos de TV nacionais de 2011 pelo Festival de Pitching de TV da operadora Oi. Em 2017 e 2018 rodou pequenos docs, podcasts e campanhas multimídia para o artista Emicida na gravadora Laboratório Fantasma.
Sobre o blog
Rap Cru é o blog do roteirista e documentarista Ronald Rios sobre Hip Hop. Brasileiro, americano, britânico, latino… o que tiver beats e rimas, DJs, grafiteiros e b-boys e b-girls, tem nossa presença lá.