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"Sou meu pior inimigo" - Black Alien fala sobre novo disco, drogas e fofoca

Ronald Rios

24/04/2019 04h20

Esse é o retorno do cretino
Dos clássicos, hits, hinos e o bolso cheio de pino
Vai vendo, só veneno na visão de zoom
Bebendo cachaça no bar da Área 51
Check it!

(Foto: Mariana Pekin/UOL)

O cretino está de volta. Na última segunda, Black Alien e eu sentamos num café ali na Vila Buarque, no Centro de São Paulo, para batermos um papo sobre "Abaixo de Zero: Hello Hell", seu terceiro álbum solo, um clássico instantâneo de 9 faixas – só ouço silêncio esperando discordância sobre essa sentença, já digo isso, para começarmos na mesma página.

Falamos de várias fitas: rap, o disco novo, drogas, muay thai, a faixa "Como eu te quero" influenciando o crescimento populacional, a responsabilidade da profissão rapper e – sim, lógico – celulares perto demais do saco. Confere aí que tá irado o bate-papo:

A VERDADEIRA VOLTA DO BLACK ALIEN

(Foto: Mariana Pekin/UOL)

Ronald: Você concorda com a percepção de que essa é a verdadeira volta do Black Alien? Como se o "Babylon 2" fosse você desenferrujando ainda…

Black Alien: Eu estava cumprindo uma etapa no Babylon Vol 2. Naquela etapa eu não era o doidão mas também não era o careta. Tinha pouco tempo que eu tinha parado de beber. Não sabia expressar essa fase. Então eu me expressei como pude. As palavras chegaram com um pouco mais de dificuldade para mim. Mas tudo naquele momento era mais difícil pra mim. Eu bebi boa parte da minha vida e tinha pouco tempo que eu tinha cortado esse hábito. Quem conhece a batalha que eu estava travando naquele momento tem uma outra visão daquele disco. Talvez aprecie mais ou veja melhor as coisas que o Babylon 2 tem de bom do que as pessoas que não estavam de perto nessa batalha. Conceber um LP no estado que eu me encontrava foi uma vitória muito grande. Apesar de nem todos os versos serem inspirados, vários versos ali são inspirados. Foi um disco importante pra eu pegar segurança, saber que não tava tudo perdido e fazer esse disco aqui. Eu sabia que não estava na minha melhor forma mas sabia que conseguiria chegar nela.

SOBRE SER SEU PRÓPRIO INIMIGO

Ronald: Você fala sobre se vencer em "Carta Pra Amy". Você é seu pior inimigo?

Black: Sou. De longe. Sou eu que me anulo, que me boto pra baixo, que eventualmente causo a minha situação. Eu fui meu pior inimigo durante muito tempo. Porque os meus "inimigos", eles têm um problema com eles mesmos. Eu não tenho problema com ninguém. Eu não tenho nada a ver com os outros. Eu tenho que resolver eu. A minha treta sou eu. Eu parei de colocar a culpa nos outros e nas coisas pela minha próxima situação. Eu comecei a entender que sou o meu pior inimigo mas eu tô tentando ser meu melhor amigo.

Ronald: Que avaliação você dá pro Black Alien como seu amigo?

Black: Hoje em dia sou 7,5 como meu amigo. Inimigo eu já fui nota 10! (Dá uma gargalhada)

 

FOFOCA E DROGAS

Ronald: O quanto a fofoca ao seu redor te afeta?

Black: Uma vez meu pai me disse que não precisa ser famoso para ter gente falando da sua vida. "Porque o Joãozinho sem-braço está falando do Pedrinho sem-braço". Isso é uma coisa do ser-humano. Os meus recados pra quem cuida da minha vida são bem direcionados. São uns poucos espíritos pouco iluminados. Mas a fofoca me incomoda sim. Porque eles te subestimam, de certa forma. Subestimam o carinho que as pessoas têm por mim e o meu poder de comunicação…

Ronald: Embora em quase todas as faixas – exceto as love songs – você esteja tocando no tema das drogas, eu acho interessante que você conseguiu falar sobre isso sem um tom professoral, sem cagar regra. Seria um saco o disco assim: "diga não às drogas, galera."

Black: "Faça assim, faça assado."

Ronald: Isso.

Black Alien: Eu não gosto de cagar regra porque eu não gosto que caguem pra mim. Tem um negócio no tratamento que é assim: o viciado ativo não ouve ninguém. Quando a gente começa nossa recuperação, existe um tom que funciona que o terapeuta fala com a gente e existe uns que não funcionam. O que funciona é o terapeuta falando pra mim: "Gustavo, o que funcionou pra mim, eu tô passando pra você." É muito melhor que "ó, é assim que faz. Você tem que fazer isso." Eu nem sei se falo isso…  mas existe algo na música nacional que é o "você tem que", "faça", seja"… porra, quem é você pra falar o que o cara vai fazer? Vai tomar no seu cu. Prefiro o "meu irmão, assim funcionou pra mim."

(Foto: Mariana Pekin/UOL)

LOVE SONGS

Ronald: Qual o segredo das suas love songs? Tem que ter apaixonadão ou vale a história de um amigo?

Black: Inspiração, história de amigo. Posso tá apaixonado, não tá apaixonado. Mas não tem segredo. Eu falo de amor do mesmo jeito que falo de violência policial, por exemplo. Só questão de observação. Tem coisas da minha vida, que me contam… tem coisas que vejo e acho bonito. Projeto pra mim, por exemplo. "Como eu te quero" eu escrevi sem estar casado, sem estar namorando, nada. Eu projetei.

Ronald: Não! Parece que você estava com a mulher mais fantástica do mundo e escreveu "essa é pra você gata."

Black: Porra nenhuma. (Risos)

Ronald: Em 15 anos de Babylon 1, quantos bebês foram concebidos ao som de "Como eu te quero"?

Black cai na risada: Rapaz, o que já me chamaram pra ser padrinho de casamento por causa dessa música. Mas acho que nasceram vários bebês sim. Mas eu fico feliz porque é música que faz lembrar o amor. Elas se identificam.

Ronald: Essa música é muito "relationship goals".

Black: E eu fiquei muito preocupado de soar bobão, piegas, nessa de fazer essa música. Mas deu tudo certo.

 

(Foto: Mariana Pekin/UOL)

 

RELAÇÃO COM PAPATINHO

Ronald: Como um dos primeiros MCs da cidade encaixou tão perfeito junto dum dos moleques mais novos na produção de rap?

Black: Papatinho, além do talento, ele tem uma personalidade tranquila. Me dei bem com ele. A gente se deu bem de primeira. Ele sempre foi, não só comigo, mas de me escutar. Ouvir o MC. Alguns produtores com quem já trabalhei, parece que eles estavam escutando mas não estava. Papato sempre coloca na cabeça o que ele acha mas tá sempre aberto pra escutar. O cara tem muita humildade, tranquilidade. É uma atmosfera leve que ele traz. Aí eu me sinto à vontade.  

 

TOP 5 MCS 

Ronald Rios: Qual o Top 5 de MCs do Black Alien?

Black Alien: Não nessa ordem, ok?

Ronald: Como você preferir.

Black Alien: Rakim, KRS-One, Nas, Chucky D e Ice Cube!

Ronald: Teve uma época no começo dos anos 90 onde o Ice Cube foi o maior rapper do mundo – pronto.

Black Alien: O Marcelo D2 me zoava por causa duma camiseta do Ice Cube que eu comprei na Galeria do Rock eu não tirava de jeito nenhum. Comprada aqui na Galeria.

 

MUAY THAI

Hoje cedo, no Muay Thai de manhã
Outros tempos, só Deus sabe onde ia tá de manhã
O cara vai ter pra adiantar de manhã
Praticava o caratê de rá-tá-tá de manhã  

Ronald: E qual é o lance do Muay Thai? É só linha no rap (Take Ten) ou é sério?

Black: Me trouxe fôlego. Treinou meu cérebro o lance das combinações dos golpes. Eu aprendi no Muai Thay que se eu não tiver com a cabeça atenta no prêmio na hora do round, eu vou me machucar. Então o Muay Thai me ensinou a viver no momento. Isso ajudou muito na minha concentração e no meu gás no show.

 

MELHOR MOMENTO DA VIDA?

Ronald: Esse é o melhor momento da sua vida?

Black: Um dos melhores.

Ronald: Qual foi o melhor?

Black: Não sei, foram vários. Inclusive quando tava mal, a vida nunca foi ruim pra mim. Eu que fiz ela ruim. Nunca fui um cara sem sorte, um desgraçado. O que rolou de ruim comigo eu que causei. Ninguém me atacou, me causou nada. Então é assim: eu não tenho pena de ninguém. Quando eu tava no chão sendo chutado, teve um porquê. Eu não sou santo. Foi tudo causado por mim. Nem o cara que tava me chutando eu culpo. Eu causei aquilo ali. Então essa falta de pena que eu tenho comigo mesmo, eu não tenho com o outro também. Mas mesmo na merda tinham vários momentos bons. Hoje eu tô em um dos vários melhores momentos da minha vida. A diferença é que eu não tô bêbado. Então eu tô vendo mais.

(Foto: Mariana Pekin/UOL)

 

PROFISSÃO MC

Ronald: Entreter, ser um acalanto pro ouvinte, usar as rimas como válvula de escape… é difícil a profissão MC?

Black: É uma coisa que é pra maluco. Só pra maluco. Não é pra qualquer um. A gente vive da nossa opinião. Eu olho a situação do país, das escolas, da favela e ponho no papel minhas reflexões sobre isso. Crio uma música. Treino aqui. Aí vou me apresentar ao vivo, cantar aquilo. Pra um monte de gente que pagou ingresso, escolheu uma roupa e saiu de casa para ouvir o que eu tenho pra falar. Fora todas as pessoas que trabalham ao redor de um show. É muita responsa. É foda ser MC no terceiro mundo. Ou em qualquer lugar mesmo, porque minha opinião eu falo o que eu acho sem rede de proteção, pode ter alguém ali que não vai concordar… profissão MC tem que ter disposição.

 

CELULAR PERTO DO SACO

Na faixa  4, "Que Nem Meu Cachorro", Black rima um tema curioso:

Me preocupa é o celular que vibra ao lado do meu saco
O resto todo que dá câncer eu já vou lançar no vácuo

 

Ronald: O quanto a gente tem que se preocupar com o celular perto do saco?

Black: Muito. Eu tô com o meu no bolso agora, mas sempre pensando nisso.

Ronald: Olha a contradição.

Black: Nem só perto do saco. Perto da cabeça, do ouvido… pô, há quanto tempo a humanidade usa aparelho de telefonia celular?

Ronald: Uns 30 anos?

Black: Muito pouco pra gente saber o que isso causa. Se houveram estudos sobre o que isso causa, abafaram igual os estudos sobre tabaco. Mano, eu não sei do que é feita essa bateria. Não deve ser bom pro nosso saco, cara.

Ronald: Tô com você nessa.

 

POR QUE O BLACK ALIEN É FODA?

Ronald: Seguinte, Black. Vamos fazer um exercício de zero humildade, total braggadocious de MC, ok?

Black: Manda.

Ronald: O que você oferece pro seu público que gera essa resposta tão apaixonada pelo seu trampo? Por que o Black Alien é foda?

Black: Não sei… talvez por eu me desprender de qualquer pretensão na hora que eu vou escrever. Eu sou eu mesmo quando escrevo. E sendo eu mesmo, só tem um "eu". Então eu sou o único porque tô sendo simplesmente eu mesmo. Antigamente riam de mim quando não entendiam direito minhas rimas, meu nome. Pode rir à vontade, mas eu tô sendo eu. Vocês que não estão entendendo. Eu tô sendo só eu. Acho que é isso que eu ofereço: algo único.

Ronald: Você acha que esse é seu melhor disco solo?

Black: O último é sempre melhor. Mas eu não comparo todos eles. Por exemplo, eu não consigo comparar "O Nas é melhor que o Busta Rhymes". Eles são completamente diferentes. O Nas é o Nas e o Busta é o Busta.

Ronald: O Nas é o melhor Nas que existe. E o Busta…

Black: … é o melhor Busta que existe.

 

(Foto: Mariana Pekin/UOL)

 

SPEEDFREAKS

"O (falecido) Speed me ensinou a gravar sem punch (gravar o verso num take só, sem edição), com o mesmo fôlego que você vai cantar no palco. Muitos takes nesse disco são inteiros. Ao vivo o bicho pega. Aí os cara tem um monte de backing de apoio porque não tem o fôlego. Mas o Speed me ensinou que se gravar como vai cantar fica muito melhor. Ao vivo o bicho pega."

Ronald: Qual a influência dele, tecnicamente, no seu rap?

Black: Várias coisas. Quando eu comecei a escrever rap, ele não fazia rap. Escrevia música. Tinha experiência de palco. Ser instrumentista, cantor. Muita coisa ele me ensinou logo no começo. Primeira coisa que ele me ensinou foi a não segurar o microfone na bola igual os MC's. Me ensinou a passar o som como vou cantar. Me ensinou sobre a abertura da boca para pronunciar certas palavras com mais clareza.

Ronald: De certa forma, com essas dicas, ele funciona até hoje como um produtor contínuo seu?

Black: Um produtor contínuo. Até hoje. Post-mortem.

 

PLANOS PRA 2019

Pra encerrar, pergunto a ele sobre os planos de 2019. Ele está muito excitado.

"Tá tudo planejado já pra esse ano, desde o ano passado. Mas é aquilo: eu planejo e Deus ri – mas ele admira a estratégia.  Tô animadão pra fazer show, gravar alguns feats… não são muitos mas escolhidos a dedo, significativos. Mas o apetite pra fazer show novo tá grande. Os primeiros shows são agora na Virada Cultural aqui em São Paulo, em maio. Tô cheio de gás pra cantar essas músicas novas."

Nóis também. Voa, Gustavo de Niquiti!

Sobre o autor

Ronald Rios é roteirista, comediante e documentarista. Apresentou o "Badalhoca MTV" de 2008 a 2011 na MTV Brasil. Na Band fazia o quadro "Documento da Semana" dentro do programa CQC, num formato de pequenos docs sobre pautas atuais na sociedade brasileira. Escreveu para o Yahoo, UOL, VICE, Estadão, Playboy, Red Bull e Billboard. Em 2016 fez a série de documentários "Histórias do Rap Nacional" para a TV Gazeta. Ronald também apresentou de 2010 a 2012 o programa "Oráculo" na Jovem Pan FM e foi roteirista do Multishow de 2009 a 2011, pela produtos 2 MLQS, onde rodou o programa de TV Brazilians, eleito um dos 5 melhores pilotos de TV nacionais de 2011 pelo Festival de Pitching de TV da operadora Oi. Em 2017 e 2018 rodou pequenos docs, podcasts e campanhas multimídia para o artista Emicida na gravadora Laboratório Fantasma.

Sobre o blog

Rap Cru é o blog do roteirista e documentarista Ronald Rios sobre Hip Hop. Brasileiro, americano, britânico, latino… o que tiver beats e rimas, DJs, grafiteiros e b-boys e b-girls, tem nossa presença lá.

Rap Cru